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UMA AMIGA EM MADRID

Ninguém supera uma separação de amigo”, isso era o que me repetia uma das pessoas mais importantes da minha vida sempre aos nossos lanches das cinco e quarenta e cinco da tarde, naqueles minutos sagrados de intervalo do trabalho. A frase parecia lógica para ela, mas eu não via muito sentido, afinal, as pessoas passam e as despedidas são inevitáveis.

Até que um belo dia, em um desses cafés Ela me disse que queria ir para longe, fazer mestrado em Madri. Eu, como todo bom amigo, deveria apoiar na decisão e assim fiz, mas cada processo em que vibrávamos por aquele sonho, íamos de alguma forma nos despedindo.

Entender esse processo era saborear aquela frase tantas vezes repetida. Chegou a hora do “adeus” e ele não existiu, assim foi melhor. Certas palavras jamais deveriam ser ditas…Nem precisam, afinal os olhares também falam assim como vazio no peito que me fez sentir um pouco mais só.

Dói o romper físico de quem amamos, mesmo que essa seja a primeira certeza que todos têm quando o cordão umbilical é cortado e bruscamente somos jogados no mundo indefesos. Essa sensação percorre a vida até o fim, quando o corpo é levado pelas mãos dos entes para uma cova sufocante onde ficará ali sozinho, naquela nova rotina sem luz. Me despedir de um pilar fundamental de minha história foi meio assim: nascer e morrer! Sentir desprotegido fora do útero mas também estático, inerte e sem reação, conformado com um futuro que nem sabia como existiria.

Amigos nos acolhem, nos dão respiro e são nossa identidade pois diante tantas diferenças tornamos um único corpo vestido de um amor nutrido pela memória. Corações que pulsam em peitos diferentes sentindo as mesmas dores. Quando existe amizade as leis físicas são rompidas e a junção de almas torna-se eterna.

Inconformado com tal situação, resolvi atravessar o oceano para rever minha grande amiga. Conhecer o velho continente foi apenas uma desculpa para provar que o “Soneto da Fidelidade” é maior do que o da “Separação”. Naquela manhã de verão europeia de junho, pude abraçá-la novamente e, sem qualquer dúvida, foi um dos dias mais felizes da vida, aliás, foi nesse momento que entendi que essa tal sensação existe e pode ser palpável.

Quando olhei nos seus olhos, encontrei aquela mesma mulher cheia de luz, beleza e utopias. Um espírito altivo de atriz que me ensinava a não andar com os pés no chão. Por segundos, as lágrimas salgadas escorrendo nos rostos me levara para os mares do Mucuripe, das manhãs que lhe assistia aprendendo a nadar, quando a sua realidade eram voos de pássaros cintilantes cantando uma música ainda não compreendida.

Por dias, circulamos três países juntos, de mãos dadas. Aquela mão que me segurou tantas vezes, me fazia sentir mais uma vez protegido e agora tenho que discordar da minha amiga: uma amizade não tem fim! Ela permanece viva mesmo que em uma gaveta esquecida no fundo do armário, mas ao encontrá-la, revirada no meio de tantas bagunças, é vista com emoção pois tal perpetuando uma outra.

Espanha, Portugal, Roma ou qualquer estadia do velho mundo não teria o mesmo valor sem essa mão que agarrava a minha. O reencontro, no meio de tantos que caminham nas metrópoles, me fez pensar que não nos perdemos na vasta poeira do tempo que corrói mais que constrói. Permanecemos resistindo de formas tão distintas, com novas dificuldades e desafios, mas com o mesmo calor de Fortaleza e sotaque cearense, rindo dos tropeços no desejo de acertar.

A facilidade dela de dizer “Eu te amo” me fez superar até traumas de não devolver com só um “eu também”. Aprendi a dizer a frase de três palavras, entendendo o valor de cada uma delas, e por isso hoje escrevo sobre a amizade, uma das formas mais plenas de falar de amor. É nesse sentido que mais uma vez, em uma manhã quente italiana, preferi não olhar para trás e fugir do “adeus” novamente. Ele se desfaz quando almas se perdem e se esbarram nos caminhos tortos escritos pelo divino.

Depois que voltei ao Brasil, repleto de saudade dos instantes felizes vividos, fiz aniversário e o protocolo me fez ser contemplado de mensagens e felicitações. Tais palavras, muitas sinceras e outras nem tanto, me deram a vontade de ser super homem para girar o mundo no sentido contrário e voltar para aquele silêncio de um lindo pôr do sol no Templo de Debod ao lado da minha amiga para dizer: não há carência dos elogios de muitos, a certeza do amor de alguém na multidão já me basta.

 Por Heitor de Almeida

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