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Fiz um tipo de aborto

Eram duas horas de uma madrugada chuvosa. Sentia dores profundas. Me levantei, tomei um copo d’água e ao me tocar, ainda no escuro, vi sangue nas minhas mãos.

Tentando andar o mais depressa possível, cheguei ao banheiro e ao acender a luz, percebi que não eram somente elas que estavam vermelhas, mas toda minha roupa. Sim! Eu tinha te abortado.

Mesmo sabendo que tu aos poucos saia de dentro das minhas entranhas, eu ainda sentia teus restos infeccionar no meu corpo causando uma ojeriza. Era um misto de sentimentos, amargura, frustração, alívio, tristeza e medo.

Depois de meses convivendo, te acalentando, te querendo, ter de te expulsar de forma tão brutal de minha vida também foi como matar-me lentamente, enquanto a água fria caía do chuveiro, eu ficava ali, de costas molhada chorando em posição fetal.

Sim, mas parecia eu o feto que estava sendo transfigurado naquela hora do que tu. Talvez até fosse, mas o meu maior drama era saber da necessidade de te tirar de mim. Na verdade, eu não te amava, eu amei o que criei de ti, aliás, o que tu desde as primeiras pontadas me fez achar que eras, fecundando minha alma e meus dias.

Na confusão que causastes dentro da surpresa descoberta do que estava brotando em mim perdi a razão e o norte. Não sei nomear, paixão, pode ser… Fui te alimentando,

acarinhando, esperando que teu coração batesse junto com o meu, mas isso não ocorreu. A semente que aflorava não vingou pois o centeio da mentira foi descoberto em um dos piores momentos de minha vida.

Vendo que fui usado de forma inconsequente e brutal, vi que precisavas morrer sem que alguém soubesse para evitar julgamento. Não queria mais acusações, além das falsas que a tua origem violenta já tinha propagado sobre quem sou. Nunca agi com irresponsabilidade e loucura, a não ser comigo.

Não usei tesoura, faca ou qualquer objeto cortante. Usei a minha própria dor para expelir o que sentia por quem não merecia, a mesma pessoa que tirou minha sanidade, além de vários tostões. Dói desacreditar no óbvio e para isso busquei forças do mais íntimo do meu ser até a noite que olhei o retrato dela com outros olhos, e você, amor que aumentava em mim, matei da minha vida, tomara que não para sempre mas por esta pessoa que abusou das minhas emoções de forma mais sórdida e banal.

Ou era você ou eu e talvez no meu primeiro ato de pensamento no bem estar próprio! Não fui egoísta ao te matar de forma tão dolorida, não por minha causa. Te assisti escorrer feito sangue no ralo do banheiro enquanto eu me recompunha das lágrimas que também desciam. Me senti mais só, porém voltei naquela hora a entender quem eu era e mesmo no fim do pranto, sorri. Me levantei e ainda encoberto na toalha dormi um sono tranquilo depois de meses que tu me fizestes esperar, mas ela covardemente nunca veio. Sim, eu te matei.

Por Heitor de Almeida

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