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EUPHORIA: ADOLESCÊNCIA NUA E CRUA

As questões que orbitam a adolescência são comumente abordadas de maneira simplória ou irresponsável no universo das séries. Baseado no vasto contato que já tive com esse tipo de conteúdo, arrisco dizer que a maioria me foi decepcionante em sua banalidade. Meu encontro com Euphoria foi, portanto, uma agradável e satisfatória surpresa.

Criada por Sam Levinson, que fez uso da própria vida como inspiração, Euphoria assume certa crueza e impetuosidade ao narrar a história de adolescentes que são atravessados por experiências extremas e de intensa reverberação em seus cotidianos.

Rue (Zendaya), uma das protagonistas, é uma adolescente caótica e dependente química que acabou de sair da reabilitação. De início já nos é revelado que ela não manteve-se sóbria durante a temporada de internação, informação que a personagem faz segredo para não angustiar seu núcleo afetivo, formado por sua mãe Leslie (Nika King), e sua irmã Gia (Storm Reid).

O que motiva Rue a melhorar é seu encontro e conexão imediata com Jules (Hunter Schafer), uma menina trans recém chegada na cidade que costumeiramente tem encontros sexuais nada gentis com homens (comprometidos, brancos e héteros), em uma clara tentativa de validar sua feminilidade. Lidando com questões igualmente complexas, as duas avançam na amizade instantânea, que passa a se deslocar para contextos românticos. Fenômeno que, devido ao desarranjo psicológico e emocional estremecido de ambas é, embora honesto, frágil em sua consistência.


Tratando-se de uma relação que se desenvolve de maneira orgânica e genuína, vale pontuar o cuidado que a série tem de não determinar rótulos ou impor às adolescentes aflições referentes ao interesse romântico e sexual aflorado. Aqui a representatividade lgbtq+ não hesita e é, inclusive, tranquila. As – várias – angústias habitam em outros espaços, como, por exemplo, no relacionamento abusivo entre Maddy (Alexa Demie) e Nate (Jacob Elordi), sendo esse último um dos personagens mais detestáveis e indigestos que já precisei – com muita dificuldade – suportar.

Típico garoto moldado pelo machismo que tem a violência como linguagem e expressão, Nate é irascível, repulsivo e hostil. Ele torna-se ainda mais nauseante ao se manifestar incomodado com Jules que, ao não ter vergonha de si, o ameaça em sua masculinidade frágil e cambaleante. Os dois protagonizam, ainda, um arco na trama ao lado do pai de Nate, Cal (Eric Dane), que evidencia o caráter destrutivo do machismo no processo de descobrimento da sexualidade.

O foco da narrativa vai alterando de personagem a cada episódio, para criar proximidade e profundidade na apresentação dos diversos conflitos, a exemplo de Cassie (Sydney Sweener), que sofre com o vazamento de fotos íntimas, e Kat (Barbie Ferreira), que assume o empoderamento feminino e lida com a superexposição online.

Com importância social já carimbada, Euphoria é também robusta em sua qualidade técnica. A fotografia é evocativa, vibrante, muitíssimo bem trabalhada e manipulada, entregando uma identidade visual refinadíssima. Ainda referente ao apelo estético, dispensa comentários a caracterização primorosa das personagens, cuja maquiagem, em especial, virou elemento emblemático da série.

Outra face igualmente impecável é a trilha sonora que, durante toda a temporada, eleva o nível da trama e nos envolve em atmosferas hipnóticas. O número musical na cena final confirma a qualidade singular desse aspecto.

Euphoria toca (e como toca!) em temas modernos e polêmicos sem revestir-se de lições de moral ou intenção de oferecer soluções para as questões retratadas, sendo estas tão concretas na esfera da realidade. Ela simplesmente as traz à luz. As expõe, descortina. Preocupando-se somente em explorar sem reservas as dimensões psicológicas desses adolescentes, utilizando uma abordagem madura, narrativas complexas e liberdade em suas reflexões e debates.

Uma série que não permite a desatenção ou o alheamento nem por um segundo. Cada instante prende, fascina e seduz, tamanho capricho e potência que me tem, aos 23 anos, em estado de graça, ao mesmo tempo em que olho para a adolescência e penso: Ufa! Sobrevivi.

 

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