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Réquiem

por Mateus de Araújo

 

Lembra-te do som oco do tambor…
há algum mistério ali, tentando
condensar uma natureza
para sanar a voragem dos tempos.
A fé, esta gênese de quimeras
e matéria absoluta do nubívago,
escoa nas bocas de lobo,
chega ao mar e se perde; perde-se
como o ano de 2020: a feição
de pânico, a plus-ultra forma
do dantesco. O que faz
um poeta em meio a isso?
O poeta, quando não pensa,
procura estranhezas; o que faz
um poeta quanto é tudo a face
indizível do Estranho?
Não há reino de palavras, há
impérios de lamúrias. Os grandes
polos comerciais fabricam uma
nova forma de sorrir, todos
com a devida “brand”, a Amazon,
Disney, Adidas, Nike, Apple,
Netflix, redescobrem outras maneiras
de descaracterizar a face carnal
do homem.
… e o riso é amarelo; o homem
que sorri para os seus, às 04:40
pensa no aluguel e na falta
futura do dinheiro
e na falta futura da refeição
e na miséria futura da nação
e na sociedade presente sem ação…
Os sonhos, ainda que enfraquecidos,
carregam sua dosagem de parabeno,
permanecem sob aspecto de alucinação.
O mundo-cão apresenta em seus jornais
a voz bisonha e os olhos embaciados
dos defuntos. Dos caixões, surgirão
rosas marrons e acinzentadas, porque
em 2020 as cores morrem e, se nascem,
morrem por desaparecimento; em 2020,
não há perfume para sentir,
não há sabor palatável,
embora haja um país governável
sem governo, porque a carnificina
formalizou a sua presença e
resolveu elaborar seu dialeto opaco
de objeto consumido pela ferrugem
da década de 60.
A vida ainda é sonho? O Espanhol
barroco-quixotesco ainda insiste
que sim. A tarefa de viver é
sádica, Marquês, Sem rosas do povo,
o povo canta com voz de fogo e
combustível, alterado talvez; no
entanto, importa mais a voz e os
seus passos de travessia.

Vai, Lucílio, viver (tu e os teus!)
esta épica brasileira.

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