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50 POEMAS DE REVOLTA

 

A poesia é, entre outras coisas, uma experiência de diálogo. Diálogos íntimos que, na configuração das palavras, tornam-se públicos. Enquanto experiência de diálogo o poema é, em dimensões inesgotáveis, produtor de debates. Debates que refletem o existir que é, sobretudo, político.

50 Poemas de revolta, antologia publicada pela Companhia das Letras em 2018, reúne 34 poetas brasileiros, dos clássicos aos contemporâneos, que trazem a poesia como grito contra o autoritarismo, o ódio, o preconceito e a opressão em suas diversas faces, meandros e tempos.

“Repensemos a tarefa de pensar o mundo” disse Hilda Hilst. E isso fazem os poemas que compõem a antologia. Sob o signo de “revolta”, as questões contempladas nos versos evidenciam as várias negligências e violências que desolam o social. Os poetas não hesitam em levantar bandeiras, expressar indignação, tecer críticas e alertas.

Assumindo a revolta como uma expressão da esperança, concluo: poesia é resistência.

Confira três dos 50 poemas reunidos no livro:

1. Não há vagas (Ferreira Gullar)

O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
luz e telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açucar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.

Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

– porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”

So cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema senhores,
não fede
nem cheira

2. Disseram na Câmara (Francisco Alvim)

Quem não estiver seriamente preocupado e perplexo
não está bem informado

3. Vozes-mulheres (Conceição Evaristo)

A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
ecoou lamentos
de uma infância perdida.
A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e fome.

A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
O eco da vida-liberdade.

 

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