Fortaleza, CE
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MINHA MATÉRIA É MEMÓRIA

 

 

 

Acordo cedo porque as manhãs me chamam muito mais do que as noites – exceto aquelas noites que viro bicho. Quando o sol vai apontando eu vou despertando, quando os raios de sol esquentam minha pele, estou além de viva. Sempre que posso, saio para apreciar a manhã, vou à feira, vou tomar um café forte ou água de coco em algum lugar da cidade, ou simplesmente caminhar, este ano senti saudade do movimento, das pessoas passando, das conversas nas multidões, senti uma saudade específica muitas vezes: desbravar o Centro de Fortaleza em pleno meio-dia. Poucos entendem este meu gosto peculiar, mas gosto é gosto.

Aqui no Ipu o Centro também é bastante movimentado, mas meio-dia o comércio fecha, todos almoçam e descansam. O sol é escaldante, mas às vezes eu gosto de pedalar com as ruas só pra mim.
Quando acordo, antes mesmo de enxergar, eu ouço. O som dos pássaros é o primeiro som do dia, o segundo é o do trem, acordar com o barulho do trem é minha história, trilha sonora do meu filme. A quietude me deixa mais atenta aos detalhes. É que estou descobrindo melhor como é esse negócio de ser eu, teve uma época que eu não gostava muito de mim, agora me gosto, me acolho e consigo até me amar. O ano foi meio solitário, deve ter sido por isso que eu intensifiquei o meu hábito de monólogo, tenho conversado muito comigo… Às vezes falo alto e gesticulo muito, já está tão naturalizado que pra mim hoje louco é quem não fala sozinho.

Sou um ser absurdamente nostálgico, e no fim do ano fico um tico mais saudosa, sintonizei numa rádio de tango no cair da tarde e senti saudade de Buenos Aires, às vezes tenho de saudade de lugares que nunca estive.

Nem sempre celebro o natal, mas este ano estou perto da minha família e existe um ritual familiar de trocar presentes na casa da minha tia, amanheci escrevendo cartões como quando era criança. Passei em frente ao brechó e um vestido lindo me fez parar, me lembrou uma roupa de flamenco só que verde neon, gosto muito de verde e uma senhora ficou tão comovida com a minha alegria dentro do vestido que me deu, não recuso presente, ainda mais de natal.

Existe um código secreto dos amantes, mas qualquer um com o olhar apurado consegue perceber. Os amantes sempre se entregam, o corpo fala tudo, o magnetismo não é invisível pra quem sabe ver.
Por conselho de uma amiga estou tomando chá de passiflora para melhorar a ansiedade, sou sensível aos chás, tem funcionado bem comigo. Tem coisa que só nossas amigas nos ensinam porque tem mistérios que só as mulheres sabem.

Cruzei com minha primeira professora e conversamos sob máscaras por alguns minutos, eu estava eufórica no primeiro dia de aula e ela nos recepcionou vestida de fada, com uma varinha de estrela cadente dourada na mão. Ela me contou de uma cena que não se esqueceu: um dia ela estava com o marido na pizzaria e eu cheguei correndo para dar-lhe um beijo na bochecha, contou que eu vestia calças jeans e uma blusa frouxa – era uma blusa cigana vermelho bordô, amava esta combinação.

Saudade é melhor que caminhar vazio, escuto na voz de Caetano, e disso eu sei porque sou cheia de saudades, minhas saudades me impulsionam, não me deixam estagnada no pranto. Sou dos ventos, os ventos me dizem que tudo tem que partir. Deixo ir.

Esta semana conheci um ser das águas que me perguntou com quantas memórias se fazem nossa vida, bordamos juntas e permiti que viessem histórias e fotografias enquanto tecíamos.

Em algum momento nós estivemos debaixo da máquina de costura da vó, debaixo de sua saia mirando seus pés ligeiros e delicados, vendo-a desfazer os bordados, se irritar, recomeçar… No meu universo sempre existiram agulhas, linhas, cheiro de pano e uma abuelita dizendo que uma máquina de costura numa casa é tão fundamental quanto um fogão e uma geladeira. Sabia que agora inventei de pintar e bordar?

Eu havia perdido minhas memórias de curuminha em algum baú trancado por aí, agora encontrei a chave e não há nada que eu não consiga reviver. Comecei a pensar no tempo como uma costura, cada ponto é uma memória, das mais amorosas às mais doídas, é desse tecido que sou feita. Sou feita desse ano denso também, mas conseguirei pensar nele com gratidão ainda quando me lembrar que pude dançar e escrever aqui. Como colocar a cabeça pra fora do lodo e respirar ar puro – às vezes existir me basta.

 

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