Compartilho do pensamento do filósofo Nietzsche que caiu na boca do mundo ao longo do último século: “Aquilo que não me mata só me fortalece”.
Significa dizer que o enfrentamento e superação das adversidades nos tornam mais potentes e preparados para a vida.
Neste fevereiro, contudo, minha lucidez e coragem foram desafiadas por lembranças de um tempo heroico anterior à tristeza. O resultado foi uma saudade incomum de mim.
Saudade da menina que fui, com olhar de espanto para o corriqueiro como se o enxergasse pela primeira vez.
Saudade do colo da minha mãe e dos vincos macios do seu cotovelo. Há criança que apalpa um paninho para dormir; eu acariciava o cotovelo da minha mãe e rapidamente levitava em lindos sonhos.
Saudade da peregrinação nas manhãs de sábado no carro do meu pai pelos bairros de Fortaleza. Para minha irmã e eu, diversão; para ele, trabalho, à cata do lucro dos produtos distribuídos na semana.
Saudade dos banhos no mar aberto do Pecém, quando o sol queimava a nossa pele salgada e minha mãe cobria a vermelhidão – acentuada após o toque corrente da água doce – com goma hidratada, um paliativo caseiro feito da matéria-prima da tapioca, a soberana do desjejum nordestino.
Saudade dos passeios de bicicleta sem vias demarcadas, nem capacete, medo ou preocupação com tombos e acidentes.
Saudade da mesa dos domingos, arroz de forno com ervilhas, purê assado de batata inglesa e o raro refrigerante, liberado apenas nos aniversários ou nos estados febris com perda do apetite.
Saudade de escalar o pomar urbano e ouvir ao longe a advertência materna para segurar firme nos galhos mais altos, os preferidos das ventanias. A aventura maior era deslizar da árvore para o piso superior do sobrado, descer pelos degraus internos e retornar ao quintal para novas peripécias.
Saudade do nascimento de amizades prestes a comemorar seis décadas.
Saudade da minha ousadia em subir numa cadeira alta para tocar a cigarra proibida na casa da minha tia mais velha, protótipo da única avó que tive.
Podemos até sair mais fortalecidos dos infortúnios, mas são as memórias felizes que nos restauram e nos permitem seguir.