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A mesa da família cruza o Atlântico

A mesa da família cruza o Atlântico e chega a outro continente. A mesa está posta em torno de famílias simples, que têm o hábito de colocar uma panela grande em cima de uma esteira posta no chão. Todos sentam em círculo para participar da mesa. A comida está fumegando e um cheiro gostoso vai passeando por todo o ambiente. A panela contém arroz integral misturado com caldo de amendoim e peixe desfiado. Todos os ingredientes misturados, como se fosse um risoto. Essa esteira de palha onde todos sentamos em círculo e com um lindo almoço diante de nós está localizada no quintal de uma casa simples em Guiné-Bissau, na África Ocidental. Nada mais rico nesse momento do que a “valorização da experiência da refeição” – esta em particular vai além do ato de comer. Ela envolve o ensino, o jeito de ser de um povo. Digo isso porque vi como a presença e a participação de uma pessoa que seja ouvida, por refletir respeito e identificação, pode estimular uma comunidade no preparo de uma boa alimentação. Essa experiência de ver uma panela grande onde cinco ou mais famílias se reuniam ao redor da mesa me faz pensar em um ESTILO DE VIDA SIMPLES, cercado de paz. Apesar de aquelas pessoas viverem em um contexto de muitas inseguranças, dava para perceber o anúncio de uma mensagem capaz de gerar vida. Uma vida sem apego às coisas materiais e capaz de administrar os bens para repartir. Um boicote ao capitalismo, sistema em que o desejo de ter é tão grande que leva a sociedade a consumir uma quantidade enorme de alimentos, estocando tanto no organismo quanto nas despensas das casas, prejuízo a saúde do corpo e à vida em sociedade. Muitos naquele país comem uma só vez ao dia devido a escassez de comida. Existe muita dificuldade para conservação de alimentos por falta de energia e de refrigerador. Eles mudam o paradigma de consumo e ostentação da sociedade dos dias de hoje. A experiência em Guiné-Bissau me faz pensar no estilo de vida simples de uma comunidade que reparte o pão de casa em casa interligando a vida em vilas ou comunidades pequenas. Deixo para nós a pergunta: Será que é possível resgatar essa prática a partir da vizinhança nos grandes centros urbanos?
Meu desejo é ver uma refeição realizada num modelo informal, poético, como expressão de vida. Que os sentimentos possam fluir na história das receitas, na preparação dos pratos, no silêncio ou nas conversas que acontecem ao redor da mesa, pois em muitos momentos há encorajamento por parte da cultura moderna para a negação e repressão dos sentimentos. Desejo ver um modelo fora da ênfase do individualismo, já que mesmo em família estamos comendo separados em quartos, interagindo com a televisão e deixando de lado a riqueza da interação familiar. Concluo reforçando que os vínculos familiares são fortalecidos ao redor de uma mesa, onde se valoriza a experiência da refeição com escolhas alimentares saudáveis, que refletem a identidade familiar e geográfica, deixando-se fluir por laços de criatividade nas histórias das receitas, planejamento alimentar, no aproveitamento de recursos do ambiente e no fortalecimento da autonomia individual. Como é a sua mesa?

Leci Queiroz.

 

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