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Minha avó Maria Stela

Maria Stela Rocha e Silva – minha avó materna. O mês de março dedicado as mulheres é também mês do seu aniversário. No próximo dia 25, ela faria 97 anos.A presença da vovó Maristela – era assim que nós netos a chamávamos – em minha vida é tão forte que desafia a expressão exata do que sinto quando ela é o assunto. Sempre percebi sua casa como minha também. Cresci frequentando- a tanto que acabei por me achar parte daquele lugar lindo. Vejo tanto de minha avó em mim… As dores, a rebeldia, o gosto pelas artes, a mania de se vestir considerando apenas o próprio gosto e bem estar. A vontade de descobrir o mundo, de descobrir- se no mundo à despeito dos riscos que tal postura pudesse representar.

Gostávamos muito uma da outra e sabíamos disso. Minha avó queria ser atriz e estudar num tempo em que a história de uma mulher era condicionada a vontade do homem, da sociedade patriarcal . Muito embora, tenha sido minha bisavó, sua mãe, quem a impediu de estudar mais e de seguir a carreira artística preocupada com o futuro da filha num mundo machista.
Meu avô parecia perceber a sede de vida, de liberdade de minha avó e buscou proporcionar-lhe um mundo glamouroso de viagens, festas e garantir- lhe certa independência financeira.

Minha avó perdeu um filho de apenas 22 anos e quase morreu com isso. Chegou a passar bom tempo internada numa Unidade de Terapia Intensiva (UTI) vítima de uma pneumonia grave. Ficou difícil respirar a ausência definitiva do filho tão jovem e amado. Levou um tempo para fazer as pazes com a vida. Depois, seguiu do seu jeito. Se dava o direito de ser como queria descumprindo protocolos impostos por uma cultura cerceadora e misógina. Gostava de centralizar a atenção das pessoas e tinha muito talento também para isso. Às vésperas da data do seu nascimento, agradeço por tudo o que ela foi e que reverbera em mim em modo contínuo.

{Texto publicado no Instagram no dia 17 de janeiro de 2017}

Cresci acreditando que minha avó tinha sete vidas usando uma matemática bem peculiar. Toda vez que sua saúde estava em risco e que ela conseguia recuperá-la,voltava ao início da minha contagem.No último dia 17 de janeiro descobri que contava errado.Enxaqueca, mal súbito,falta de ar,reumatismo, diabetes,gripes…. Tudo a levava ao hospital onde tornava-se amiga das enfermeiras e aproveitava ao máximo a atenção dos médicos e da família. Depois, voltava pra gente.No início do mês passado, ela entrou no hospital com uma pneumonia simples e saiu das nossas vidas com uma série de complicações causadas por infecção hospitalar.Há três meses, ela se despedia de meu avô que dividiu sua morte em mais de dez anos preso a uma cama e mergulhado num profundo e compulsório silêncio.

Seu adeus, mesmo doído, fez sentido. Pareceu até um prêmio. Mas a saída de cena da minha avó foi por demais inusitada.A menina impedida de avançar nos estudos pela mãe conservadora e que queria ser atriz deixou uma platéia atônita sem saber do seu paradeiro.

O pano desceu e ela não voltou para os aplausos de que tanto gostava, de que tanto precisava. Não adianta culpar o corpo por sua partida. Ela era jovem, rebelde, indômita,alegre. Suas dores traduziam o excesso de vida que carregava consigo. Por quê a minha avó que nos acordou tantas vezes com seus telefonemas fora de hora, que preferia a noite ao dia, que amava o risco da mesa de jogo, que desacatava os censores de plantão escolheu este enredo? Ela está em quase tudo o que vivi e, hoje, qualquer lembrança traz a dor de lidar com sua ausência. Neste momento, tudo que sei é que me sinto mais neta do que nunca e que vou sentir muito sua falta, sempre.

 

 

Um comentário

  1. Ana Carolina Alves Pereira Peixoto disse:

    Coisa mais linda!!! Super me emocionei!!

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