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Namorado da solidão

Sou um notívago e não me canso de dizer que gosto da madrugada. Mesmo que tenha anunciado meu distanciamento da boemia várias vezes, mas ele não consegue durar muito e volto para as mesas de bares e botequins. O grande dramaturgo Antônio Abujamra falava que a “solidão não lhe deixava sozinho” e assim refugio a minha sob as luzes das estrelas.

O que escrevi até agora não é novidade, na verdade, quero ditar sobre o meu último fim de festa. Na ânsia de comer uma mão de vaca curadora de qualquer ressaca, quase ao raiar do dia, assistir a poesia da paixão e da delicadeza se formando.

Um casal jovem sentado na minha mesa celebrava a oficialização de um namoro. Eles mal deviam ter vinte anos e já saboreavam as descobertas da dos sonhos, corpos, sentimento, paixão e até o amor. Ela se derretia mostrando o anel no dedo e ele, orgulhoso feito militar, se mostrava pelo feito e a iniciativa. Eles estavam felizes, o que é raro na boemia e mesmo diante o barulho que cercava, os dois pareciam dançar a valsa vienense.

Eu os fitava de forma discreta sentindo o sabor de peitos cheios quanto o meu parecia vazio. A lua contemplava os enamorados e eu os observava diante a imensa escuridão da nebulosidade. Uma lágrima escorreu de minha alma por sentir as mãos vazias, sem calor, sem apoio e sem reciprocidade.

Meus amigos dizem que escrevo coisas tristes, acho que a escrita sempre foi o desconto da sofreguidão existente e não dita. Mesmo que Drummond diga que “o primeiro amor passou, o segundo amor passou, o terceiro amor passou mas o coração continua” sinto mais o peso das palavras de Vinicius ao questionar “Quem pagará o enterro e as flores se eu me morrer de amores”?

A paixão dos jovens me dá certa alegria de assisti-los usufruir a felicidade que não tive, e assim espero que prevaleçam resistindo ao tempo. Naquela noite o que me restou foi seguir meu caminho sem acalanto ou consolação, a não ser da ferida viva em que me tornei pensando que outro gênio, Paulo Leminski, que talvez estivesse certo: “um homem com uma dor é muito mais elegante”.

Heitor de Almeida

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