Fortaleza, CE
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Um convite a lembrar da própria existência

As luzes da Beira-Mar, os barcos que balançam no Mucuripe e o verde do mar que se quebra com a branca espuma espirrando, são cenários típicos da orla de Fortaleza. A poesia que carregam em si já foram fonte de inspiração para muitos artistas e circularam o Brasil nas vozes daqueles que levavam consigo a terra da luz. Foi em meados da década de 70 que um grupo de jovens cearenses, ou que viviam no Ceará, se juntaram com o desejo de trazer algo novo para o cenário cultural, entre eles estavam grandes nomes como Belchior, Fagner, Ednardo e Fausto Nilo. O movimento surgiu entre as rodas de conversa em uma universidade e os jovens revolucionários da música ficaram conhecidos como o Pessoal do Ceará. 

Quase 50 anos depois, e com suas vozes ainda ecoando como as conversas de um entardecer na Beira-Mar, o Pessoal do Ceará vive em suas canções e encontra corações tão revolucionários quanto os deles já foram. Corações marcados pelas lembranças de uma época não vivida e pelo anseio da valorização cultural. Um desses corações bate no peito de Luã Diógenes, um jovem fortalezense nascido em 1997. 

Luã carrega consigo muitas paixões e uma delas é a música. A relação de amor entre eles começou muito cedo, nos auges dos seus 10 anos de idade, e veio graças a uma voz que ele escutou em um dos pen-drivers do pai. “ Eu era fã do Cauby Peixoto. Escutei uma música dele dentro do Pen Drive do meu pai e enlouqueci, comecei a gostar, virei fã e comecei a pesquisar sobre música, entender sobre a Era do Rádio que trazia aqueles cantores da época do Cauby, eu era um devoto dele.”, compartilha. 

Podia ser surpreendente que alguém tão novo já tivesse um gosto musical tão forte, mas não parou por aí. A devoção a Cauby fez com que Luã virasse um estudioso de música, da era do Rádio ele passou para a Bossa Nova e fez da pesquisa um hobby. Mesmo com o passar dos anos essa paixão não caiu no esquecimento e uma nova surgiu, o jornalismo. O jovem, que sempre gostou de contar histórias, chegou a trilhar um caminho diferente quando cursou um semestre de arquitetura. Mesmo não tendo grandes dificuldades no curso, ele sabia que ali não era seu lugar e resolveu mudar de rumo, ou voltar para aquele que sempre havia sido o seu. No primeiro dia de aula no novo curso, ele percebeu que sua necessidade, de fato, sempre tinha sido o jornalismo. “Eu era jornalista muito antes de me formar ou entrar na faculdade. Aquele desejo da verdade, de fazer um serviço ou de contar uma história foi o que me fez modificar o que eu estava caminhando, virar de ponta cabeça e recomeçar.”

Ao longo do curso, Luã colecionou novas histórias, novos amigos, novas vivências e continuou caminhando lado a lado com a música, até chegar o momento de viver a experiência do seu Trabalho de Conclusão de Curso, TCC. Entre todas as dúvidas uma coisa era certeza, a música estaria presente em mais uma etapa tão importante e, com ela, o Pessoal do Ceará também viveria.

 

Mural da Ana Paula: Como foi a escolha do seu tema?

Luã Diógenes: Primeiro, eu e minha orientadora, a gente começou a pensar no projeto de pesquisa, eu sempre gostei muito da orla de Fortaleza e sempre quis falar sobre música. Começamos em pensar nos artistas daqui. A gente resolveu falar dessa questão da conjuntura do artistas do Pessoal do Ceará, Belchior, Fausto Nilo, Paulinho Rogério, Ednardo, Fagner… Só que como não deu tempo eu fazer como meu projeto de pesquisa, resolvemos levar para o TCC. Foi um tema muito gostoso de trabalhar, apesar do sufoco do último de semestre. 

Mural da Ana Paula: De que forma  você conseguiu unir o jornalismo e a música durante esse processo? 

Luã Diógenes: Eu usei o jornalismo como uma comprovação. Meu trabalho é dividido em três partes. A primeira parte eu falo da rádio, dos jornais narrando os festivais de música, falo do surgimento do Pessoal do Ceará. A segunda parte eu falo da orla de Fortaleza e da boemia, já entra a década de 70 com o bar do Anísio, que foi ponto de encontro do Pessoal do Ceará. No terceiro capítulo é onde entra o jornalismo porque eu analiso dois jornais,  O Povo e o Diário do Nordeste. Quando a música “Mucuripe” fez 40 anos e comecei a analisar porque “Mucuripe” foi a primeira música que falou da orla e fez sucesso nacional. Então,comecei a analisar 40 anos depois como os jornais utilizam trechos das músicas do Pessoal do Ceará para caracterizar a orla de Fortaleza. Por exemplo, eles vão falar da orla e colocam o título “Vida, vento, vela” que é um trecho de “Mucuripe”, aí eles começam o texto assim, as vezes nem falam da música em si,eles utilizam o trecho só para caracterizar a cidade. Eu analisei vinte notícias, do jornal O Povo e do Diário do Nordeste, e tinham trechos das músicas que caracterizam a orla, fazendo menção ou não ao grupo. Dentro dessas vinte matérias tem trechos das músicas “Longarinas˜, do Ednardo, “Beira-Mar”, também do Ednardo, “Mucuripe”, do Belchior e do Fagner, e “Terral, do Ednardo. São 10 músicas falando de “Mucuripe’, 7 de “Terra”l, 2 de “Longarina” e 1 de “Beira-Mar”.

Mural da Ana Paula: Um trabalho de conclusão de curso envolve muitas etapas, durante esse período, qual a parte mais difícil de construção?  

Luã Diógenes: Acho que o último, porque é uma análise de conteúdo. É uma série de contagem das notícias, tem que ter a pesquisa e, infelizmente, aqui no Ceará essa questão dos jornais a gente tem uma forte dificuldade. A ideia inicial junto com minha orientadora era falar das matérias publicadas na época surgimento dessas canções, mas aqui não se tem arquivo. Por exemplo,o Jornal O Povo não permite que você adentre no arquivo dele , a gente só tem acesso na Unifor a todas as edições do Diário do Nordeste, que começa em 81, e na verdade o Pessoal do Ceará começou antes, ainda na década de 70.Ficava difícil de pesquisar. Então, a gente modelou esse tema justamente para 40 anos depois como as músicas ainda estão contidas nos jornais para caracterizar a orla de Fortaleza. Apesar do movimento hoje não ser tão falado dentro da cidade , mas a relevância da cultura no imaginário popular. Eu uso o jornalismo para comprovar tudo isso, que a orla continua viva e grande dentro da cidade e que as músicas e a história do Pessoal do Ceará permanece dentro do imaginário da população. 

Mural da Ana Paula: Quando você soube que a música estaria presente no seu TCC?

Luã Diógenes: Apesar da pouca idade eu posso dizer que há 10 anos estudo música. Eu amo música e meu TCC tinha que resultar em alguma coisa musical. A minha preocupação era ter uma pesquisa que eu fosse desenvolver além da academia de graduação, eu acho que esse meu trabalho consiste em um tema que eu posso continuar pesquisando e também tinha a preocupação que pudesse falar de algo interno meu para que pudesse me dar o prazer de escrita. A música costura todo esse trabalho que fala de história, de literatura e de jornalismo. A música é a linha que costura todo esse trabalho. 

Mural da Ana Paula: A sua orientadora foi a professora Kalu Chávez, como foi traçar essa trajetória juntos? 

Luã Diógenes: Foi uma alegria muito grande quando ela topou ser minha orientadora. A Kalu é uma pessoa que eu admiro muito pela capacidade dela, pela trajetória belíssima. Foi muito importante. Conviver com a Kalu é algo que enriquece pela magnitude que ela é. Isso refletiu muito na minha segurança no decorrer do trabalho. 

Mural da Ana Paula: Mesmo ainda sendo um trabalho recente, o seu TCC já ganhou destaque na coluna que o professor Batista de Lima escreve para o Diário do Nordeste. Como foi acompanhar essa repercussão?

Luã Diógenes: Foi uma grata surpresa. Ele não me falou nada e eu soube por uma amiga de trabalho que disse que eu estaria no verso, que é o caderno de cultura, e eu pensei que tinham batido uma foto minha em algum canto e eu perguntei: “Eu tô como?” Aí ela disse: “Você vai ver..” e quando eu abro o jornal vem uma crítica maravilhosa, uma honra de estar na coluna do Batista de Lima. Eu ganhei o ano, não precisa de mais nada (risos). Você ver o seu trabalho, sua dedicação sendo reconhecida e recebida pelo leitor da forma que você pensou eu acho que a parte mais importante é isso. Você pensar, ler e executar e o seu leitor entender a sua proposta. Essa coluna dele trouxe outras perspectivas de futuro, como a própria publicação de uma livro. É muito importante para a gente ver que está no caminho certo e continuar caminhando. 

Mural da Ana Paula: No seu trabalho encontramos, música, jornalismo e também muito de Fortaleza. Como é sua relação com a cidade? 

Luã Diógenes: Eu sempre caminhava com meu pai aos sábados na Beira-Mar, a priori era um passeio comum, mas depois ele faleceu e eu passei a fazer minhas caminhadas sozinho e passei a olhar a cidade. Muita gente desvaloriza Fortaleza dizendo que não tem nada. Mas Fortaleza tem muitos polos. Eu comecei a olhar o polo da orla e ver a diversidade, a pluralidade e o cultural que é dentro da orla de Fortaleza. Isso começou a me atrair. A mistura dos guetos, seja dos hippies, dos burgueses, dos poetas. O que era uma caminhada, passou a ser um verdadeiro estudo. Eu voltava para casa, mas pensando naquilo que eu tinha visto. Quando eu comecei a pesquisar sobre o Pessoal do Ceará,vi que tinha muitas pesquisas sobre o sertão dentro do Pessoal do Ceará, mas não tinha falando da orla. Eu citei quatro músicas, mas essas são apenas as que entram nos jornais.  No meu segundo capítulo eu falo de outras, “Retrato Marrom”, “Deusa de Iracema”, “Flor da Paisagem”, etc.De repente eu tava no Estoril e vinha “Retrato Marrom” e eu achava aquilo um barato, a história da orla de Fortaleza. E comecei a ligar isso com a música, lugares que eram importantes dentro da produção cultural e dentro da própria sociedade. É muito complexo, mas é você tentar reviver uma Fortaleza dos anos 70 que continua importante nos dias de hoje. , apenas a sociedade esqueceu. Hoje falamos muito em ocupar e acho que temos que ocupar a Beira-Mar. Meu trabalho fala sobre isso, que o Pessoal do Ceará ainda vive e a Beira-Mar vive dentro da cidade. 

Mural da Ana Paula: Durante a construção do seu trabalho, qual foi a música que mais marcou você? 

Luã Diógenes: Uma música que eu descobri, na verdade eu já tinha ouvido mas não conhecia a fundo, e virou o hino desse meu trabalho foi Longarinas, do Ednardo. Ela fala 70 anos atrás sobre o avanço do mar e as políticas públicas que faziam a orla avançar o mar, e é o que está acontecendo hoje com o engorda da praia de Iracema. Ficou uma música muito emblemática para mim porque é como se eu rememorar-se o velho na letra da música. É a urbanização acabando com esse paraíso que é a orla de Fortaleza. Virou uma música muito emblemática porque fala de uma realidade atual.

Com o seu Trabalho de Conclusão de Curso, Luã conseguiu passar o seu amor pela música e por Fortaleza, convidando a cada um dos seus leitores o exercício de relembrar o passado que compõe o nosso presente e olhar com atenção para a cidade que nos abriga e carrega consigo tantas histórias.

Luã Diógenes

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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