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Raw: canibalismo e sexualidade em plano detalhe

Por Julliana Braga.

Quando um aglomerado de pessoas deixa a sala de cinema antes do fim da exibição, das duas, uma: filme ruim ou má atuação – talvez um híbrido dos dois. Em 2016, quando 20 pessoas deixaram a sala de estreia de Raw, no entanto, a motivação foi diferente. Influenciada pelos primeiros trabalhos de David Cronenberg, mas com todas as características da new wave francesa, a diretora Julia Ducournau desperta interesse popular depois de duas pessoas desmaiarem em uma exibição de seu primeiro longa-metragem, na Toronto International Film Festival.

Justine, interpretada pela excelente atriz francesa Garance Marillier, é uma vegetariana de berço em seu primeiro ano no curso de medicina veterinária. Durante um dos trotes aplicados em sua turma, a militante é forçada a comer partes de um coelho. Os resultados são quase imediatos. Tentando se encontrar – emocionalmente, espiritualmente e sexualmente – começa a surgir na caloura um desejo por carne. Animal e humana.

Dizer que as coisas começam a tomar uma ressonância metafórica mais forte seria até subestimar o enredo. A entrega a uma nova obsessão, que coincide com o despertar sexual da personagem – implícito por meio de danças em frente ao espelho, explícito ao ponto de morder seu próprio braço em êxtase durante o sexo –, não é mera coincidência.

Quase como uma alegoria sobre o despertar da sexualidade em um ambiente opressor, Raw é um filme de terror cruel e perturbador, a poucos passos do insuportável, mas com um desenvolvimento de personagem tão inteligente, que parece trabalhar em prol de um roteiro genuinamente inspirador. É possível notar como Ducournau transforma o vocabulário clichê de filmes de terror em sutileza ou espancamento com um grau de facilidade assustador.

Raw é íntimo, é compreensível. É possível sentir seus golpes sangrentos a cada corte de cena. Esse realismo e dedicação em retratá-lo de maneira tão literalmente crua permitem que vejamos além das poças de sangue, mas uma evolução que transcende o sadismo e o conflito em algo quase bonito e singular.

 

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