Eu era apenas uma criança quando o incêndio na Boate Kiss aconteceu. Não tenho lembranças de acompanhar o caso até procurar mais sobre ele alguns anos depois. Em 2018, tive um dos contatos mais impactantes com a história quando, já na faculdade de jornalismo, li o livro-reportagem Todo Dia a Mesma Noite, escrito por uma das minhas jornalistas de referência, Daniela Arbex.
Depois de uma leitura difícil de digerir, eu sabia que nunca mais conseguiria ouvir falar naquela tragédia sem ser tocada por ela. Desde então, passei a procurar mais sobre o caso e um sentimento se tornou comum: a raiva diante da falta de justiça.
Quando os julgamentos dos acusados aconteceu em 2022, novamente revisitei mais detalhes sobre o caso e, de tão inconformada, contava para todos ao meu redor sobre o absurdo cometido pela justiça brasileira.
Após saírem as notícias sobre a série baseada no livro, me perguntei se conseguiria assistir. Mas uma verdade que trago comigo desde a faculdade é: nós, jornalistas, não podemos nos desligar dos fatos. Por piores que eles sejam.
Logo no primeiro episódio da série, me emocionei ao ver retratado na tela a dureza daquela noite que, de fato, nunca acabou. Por inúmeras vezes eu desejava que tudo não passasse de ficção, e o sentimento de “eles vão conseguir sair” sussurrava dentro de mim. Confesso, não consegui assistir as cenas do incêndio. Mas foi no segundo episódio que o golpe veio de vez. Nunca aprendemos a viver o luto.
Por mais difícil que tenha sido assistir cada episódio, de algo eu sabia: as pessoas precisam assistir isso. Não para possibilitar que os streamings tenham “lucro” em cima da tragédia, como muitas acreditam, mas porque não podemos deixar que caia no esquecimento algo tão cruel.
Precisamos lembrar que não foi um acidente. Não aconteceu por acaso. Foi crime. Irresponsabilidade. E os envolvidos seguem impunes.
É revisitando casos como esses, e nos revoltando contra eles, que podemos lutar para que não aconteça novamente. Como disse Emília Viotti, “um povo sem memória é um povo sem história. E um povo sem história está fadado a cometer, no presente e no futuro, os mesmos erros do passado”.
Não podemos deixar que os erros se repitam. Aquela noite nunca acabou, principalmente para as famílias que choram por seus filhos. Ao optar por uma narrativa fictícia, sem utilizar o recurso do documentário, a série Todo Dia a Mesma Noite conseguiu trazer para perto o público, inserindo-o dentro da realidade contada. Por isso, ao acompanhar cada uma daquelas vidas, a emoção e dor que transbordava pelos olhos ecoava também na cabeça o aviso: isso não pode ser esquecido.