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4 POEMAS DE HILDA HILST

Foto: Juan Esteves

Não ouso definir Hilda. Sua obra ímpar, inconfundível e fervorosamente intensa lhe conferiu um significativo lugar no hall dos maiores escritores da literatura brasileira. Madura poeticamente, Hilda não tinha pudor ao versar sobre temas como erotismo, morte e Deus. Ela recusava o reducionismo ao colocar uma lupa em conceitos lidos de forma simplista e oferecia profundidade. 

Suas linhas carregam, além de profundidade, coragem, lucidez, originalidade, paixão e compromisso em apresentar sempre diversas nuances dos conteúdos que se propõe a explorar. Hilda se debruçou na investigação da alma dos mistérios e absurdos que circundam o humano, o divino e o obsceno. 

Há exatos 17 anos, Hilda Hilst abandonava o exercício da escrita para entregar-se à prática da imortalidade. Morreu aos 73 anos, em decorrência da falência múltipla de órgãos e sistemas, nos deixando mais de 40 livros publicados entre 1950 e 2000. 

O Mural selecionou quatro poemas que representam bem o caráter da lírica hilstiana. Confira a seguir.

 

  1. DESEJO

 

Quem és? Perguntei ao desejo.

Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada.

2. XXXII

Por que me fiz poeta?

Porque tu, morte, minha irmã,

No instante, no centro

De tudo o que vejo.

 

No mais que perfeito

No veio, no gozo

Colada entre eu e o outro.

No fosso

No nó de um íntimo laço

No hausto

No fogo, na minha hora fria.

 

Me fiz poeta

Porque à minha volta

Na humana ideia de um deus que não conheço

A ti, morte, minha irmã,

Te vejo. 

 

 

3. AMAVISSE 

 

Como se perdesse, assim te quero.

Como se não te visse (favas douradas

Sob um amarelo) assim te apreendo brusco

Inamovível, e te respiro inteiro

 

Um arco-íris de ar em águas profundas.

 

Como se fosse tudo o mais me permitisses,

A mim me fotografo nuns portões de ferro

Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima

No dissoluto de toda despedida.

 

Como se te perdesse nos trens, nas estações

Ou contornando um círculo de águas

Removente ave, assim te somo a mim:

De redes e de anseios inundada.

 

4. DEZ CHAMAMENTOS AO AMIGO

Se te pareço noturna e imperfeita

Olha-me de novo. Porque esta noite

Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.

E era como se a água

Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio

E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há tanto tempo

Entendo que sou terra. Há tanto tempo

Espero

Que o teu corpo de água mais fraterno

Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez.

E mais atento.

 

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