Ponciá não era uma menina qualquer, mas é provável que existissem tantas outras parecidas com ela. Ponciá era a menina que tinha medo de passar debaixo de um arco-íris, se não viraria homem. E para enganar a “cobra celeste”, dava um grande pulo. Ufa, continuava menina, era o que ela queria. Na sua infância, Ponciá gostava de gostar.
No resto do livro que carrega seu nome, o gosto não é o que reina.
A começar pelo seu sobrenome Vincêncio. Poderia mesmo chamar de seu? Se ele, na verdade, pertencia ao antigo senhorio de seus parentes que haviam sido escravizados? A história de Ponciá se situar no período logo após a abolição da escravatura desperta sinais. Não seria uma trajetória simples.
Nasceu com o riso do rio barrento e com as mãos de artesã que moldam o barro, mas não tanto a própria história. Ponciá há pouco crescida se despede do rio que lhe deu vida, para pegar um trem que chegasse à cidade. Ela queria continuar longe o seu destino.
Mal sabia Ponciá que a herança que seu avô havia deixado para ela uma hora ia ter sua vez. E mesmo sem saber, a vida se encarregaria de trazer a ela o que lhe pertencia.
O vazio da saudade no olhar de Ponciá e a narrativa, que assumo chamar de poesia, de Conceição fisgam o desejo do leitor de saber toda a sua história, os seus pensamentos, suas tristezas e a sua falta de sonhos. Ponciá me deu vontade de falar repetidas vezes o seu nome.
Em uma estrutura de tempo não linear, Conceição molda feito barro, bem aos poucos, cada parte de Ponciá. Logo depois, não só Ponciá é modelada, mas também sua mãe, Maria Vicêncio, e seu irmão, Luandi. A vida se encarregaria, também, de lhes devolver a presença um do outro.
Ponciá Vicêncio tem uma história sem tantas reviravoltas, mas carregada de sentimentos, de vazios, e de silêncios.
Boas histórias são aquelas contadas com as lágrimas e os risos do autor.
Conceição Evaristo deixa bem visto o carinho por Ponciáquando tece a história de sua personagem predileta. Falando de seus personagens, Conceição diz “[…]há uma parenta daqual gosto particularmente. Essa é Ponciá Vicêncio. Entretanto, nem sempre gostei dela. Não foi amor à primeira vista. Aprendi a gostar da moça, de tanto amor que ela provocava nas pessoas”.
Esse pensamento da autora se enriqueceu de sentido depois que cheguei nas linhas finais do livro. A menina-mulher que tinha por dentro a misteriosa herança de seu avô sabe como cativar os olhares do leitor.