As janelas de mim ousam em abrir, e eu sei que deveriam permanecer fechadas por um tempo. Aqui dentro, eu coloco bebedouro para os pássaros lá fora e, às vezes, esqueço de abrir as janelas. Mas elas são generosas, se abrem sozinhas… As janelas de mim abrigam as coisas mais bonitas que há num lar, os bons sentimentos, o sofá quentinho, o café forte (e sem doce, apesar que a dona da casa prefira o café doce, ela sempre pensa nas visitas). As janelas de mim me abrigam, tal como se fosse um lar para mim mesma.
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As janelas de mim, de tão generosas, esquecem de fechar quando a chuva vem e querem abrigar até a mais suntuosa tempestade. Eu tento fechá-las e elas dizem que não, que vão abrigar o trovão, porque o barulho dele é só ele com medo dele mesmo. As janelas de mim, no inverno, ficam emperradas pela neve lá fora, mas só porque teimam em não fechar! Não me escutam!
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As janelas de mim têm as fechaduras já enferrujadas pelo vento, pelo sol, pela maresia, porque já nem se importam no mal que tudo pode as causar. As janelas de mim não têm medo do que adentra porque elas acham que os outros também têm medo de alguma coisa. As janelas de mim querem guardar o mundo aqui dentro. As janelas de mim não deixam nem as portas se abrirem quando quero jogar o que maltrata fora. As janelas de mim não perguntam porque querem entrar os que chegam, elas só deixam entrar.
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Ontem caiu um pedaço dessas janelas. E anteontem, e antes de anteontem, e todos os dias… As janelas de mim vão abrigar tudo até o dia em que aqui dentro já não caiba mais nada. Até o dia em que a casa exploda. Até o dia em que os canos estourem e inundem tudo com lágrimas, ao invés de água. E todas as coisas que aqui estão vão saber, porque a lágrima é mais salgada que a água. As janelas de mim tentam engolir a casa inteira e só se dão conta quando a madeira que as reveste arranha e faz sangrar as paredes. As janelas de mim ainda vão desmoronar a casa inteira…