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Praia da Ursa, junho de 2020

Nunca vou esquecer daquele banho de mar. Foi o que pensei ainda na água. Me banhava no quente movimento azul-verde. Você sabia que a água do mar de Portugal parece uma aquarela recém pintada? Eu não fazia a mínima ideia até presenciar.

A minha imaginação vagava. Olhos fechados, corpo aberto, coração incomodado. Não por estar naquele lugar, mas por lembrar de todos que eu tinha estado nos últimos meses. A água na minha pele era a única coisa que eu podia sentirdepois de tanto tempo dentro de casa. A gente tinha acabadode receber uma trégua da pandemia, se é que ela realmente deu um descanso. Só que ali só existia aquela água, queocupava os meus espaços e cansaços e cruezas. Já se sentiu cansado de ser você? Não me é um sentimento incomum. Infelizmente.

Pensei que iria me desesperar com a solidão de tudo. Só eu existia nos minutos que estive lá. Me pareceu pouco o tempoenquanto vivia-o, mas esses minutos ainda estão aqui. De vez em quando retornam. Junto com a lembrança daquela solidão.

Afinal, eu aprendi a não ser sozinha desde cedo, inclusive fui querida desde o início também para fazer companhia ao meu irmão mais velho, lá no final da década de 90. Era vontade dos meus pais retardar essa nossa solidão. Quanta ingenuidade! A solidão sempre bate à porta, uma hora ou outra. Quando ela chega, penso comigo “pode ficar à vontade, já é de casa”. Só que diferente das outras vezes que me senti sozinha, a solidão daquela água me deixou extasiada. Ao ponto de tremer por dentro. Era uma solidão necessária para o encontro que só fui entender no tardar do tempo.

Quase três anos depois, encontro razão para o alívio que senti. O caos de dentro perturba muito. Só o chamado ao silêncio daPraia da Ursa me deu o aval para sentir o que quer que fosse. Aquela praia de difícil acesso, cheia de pedras e descidas cabulosas me preparou para o meu retorno. O medo de cair e a vontade de desistir a meio passo dado em direção a ela abriucaminho para uma coragem de ser sincera comigo. A Praia da Ursa me deu energia para cumprir a promessa de Cartola, “eu só vou voltar depois que me encontrar”.

Em partes. Pois, no fim das contas, Cartola, a gente se encontra de verdade? Não sei responder a essa pergunta, assim como a tantas outras que sempre surgem. Só sinto que cavo os meus abismos e os meus paraísos com meus próprios pés. Por enquanto, isso me supre. Assim como aquelas águas daquela praia.

Lorena Louise

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