Ela veio da minha cidade Sul. Lá onde meus cabelos impregnados de nordeste sofrem com o frio seco e a tradição que as esquinas abraçam me fascina as retinas. A imagem do seu túmulo marca a memória da primeira vez que coloquei os pés nos quilômetros da sua história. Minha história. Acredito que as despedidas são parte intrínseca dos encontros, e talvez seja por isso que o adeus nunca nos coube. Nunca chegamos a nos conhecer. Me pergunto em que paisagem ela dorme. Onde estava quando os ventos de dezembro anunciaram meu nascimento naquela manhã de 96. Se já soprou beijos nos meus medos infantis. Se já quis guardar meu sono no colo. Se sabe da construção dos meus horizontes.
A morte fez dela matéria dos sonhos e da imaginação.
Certa vez a inventei no céu rasgando as nuvens com um sorriso satisfeito ao me ver criança comendo a chuva. Eu a inventava para fazê-la realidade. Traçava em pensamento os caminhos das suas rugas. Supunha o perfume da sua voz. Imaginava seus gestos aleatórios acompanhando a fala. A largura da sua risada. E, no final, o que se estabelecia era o pensamento de que, talvez, a parte dela que eu mais conheço seja eu mesma.
Eu sou a sua eternidade.
Não sei como é estar imune à vida e desconheço o descompromisso com o tempo. Mas eu sei que não preciso procurá-la para encontrá-la. Ela está aqui. No sangue, na arquitetura e nas estruturas que sustentam todas as minhas cidades.
Eu nunca conheci minha avó paterna. Mas nunca poderia esquecê-la.