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TODAS AS MINHAS NASCENTES

 

 

 

 

 

Ainda não me acostumei com esse tempo chuvoso, estou tão adaptada e confortável com a quentura da minha terra que só de ver pela janela a neblina escondendo toda a serra como uma imensa cortina sinto um arrepio na espinha.

Escuto Vinícius pensando que as cores de abril foram apenas tonalidades de cinza.

Agora tem dias que o céu está tão escuro que me confunde, não sei que horas começa a manhã, não sei se acordei. Mais do que nunca preciso encontrar sentidos, motivações e planejar o meu dia para que eu não seja engolida num vórtice mental com alas de labirintos infernais. Um dia de cada vez. Um passo e já saí do lugar. Basta a cada dia o seu próprio mal.

Não, não estou reclamando das chuvas, que venham e que a floresta fique verde, que os rios sangrem, que venham porque água limpa, eu sei porque me sinto absurdamente viva quando me banho nas gotas pesadas e geladíssimas… Porém tem muita coisa acontecendo e eu que tenho esse jeito todo atravessado preciso inventar todos os dias alguns truques para sobreviver, tenho a impressão de que estamos todos a inventar truques.

Isto é pra dizer que os dias chuvosos não me ajudam em nada, o céu turvo tem me deixado melancólica, fica mexendo nas águas que estavam paradas e poluídas dentro de mim, antes não, mas agora sempre que chove eu choro de tristeza, de saudade, de felicidade incontível por ainda estar viva e ainda ver a chuva. Isto é pra dizer que os dias chuvosos me ajudam sim, a olhar minhas dores e me recordam sobretudo de nunca questionar a natureza, antes de eu empinar meu nariz no mundo já existia o inverno, o inverno existe. A enchente existe, o vendaval, a chuva, a luz, o mar… Tudo.

Minha mãe falou uma vez que não é o banho de chuva que dá gripe, é não se aquecer depois.

É difícil para mim reconhecer o inverno interno, muitas vezes só me dei conta quando os botõezinhos começaram a apontar, mas agora eu presto mais atenção nisso porque se eu percebê-lo não preciso guerrear.

Não quero guerrear com este inverno porque irei casar-me com ele, seremos indivisíveis.

Eu já tive a pretensão de salvar não só todos ao meu redor, mas o mundo inteiro! Eu queria salvar o mundo inteiro e uma coisa aqui dentro (que acredita cegamente na arte na cultura na educação no afeto) gritou nesse instante que ainda quer. Se eu pudesse me transformaria agora mesmo num grande colo, numa grande alegria, tão imensa que se derramaria sobre qualquer um como a névoa que embaça a serra; e todos, todos teriam um acalanto maternal. Eu teria um ombro tão largo que abarcaria bilhões de cabeças.

Mas o que eu posso fazer é o de sempre – sentir muito. Eu sou pequena mas sinto grande e concentro-me com muito cuidado para me salvar, sem destreza alguma vivo salvando um dia de cada vez com a sensação de que o barco navega tão devagar, como se estivesse à deriva. Que bobagem aquilo de salvar o mundo, forçando o abdômen me ponho em pé e nem sempre mantenho a coluna erguida.

Maio chegou com força e me mostrou a cena: tem uma corda bamba entre duas montanhas, eu estou exatamente no meio e não posso olhar para o penhasco senão caio por tropeço ou impulso. Eu não posso cair agora porque ainda falta a outra metade.

Maio para mim começa e termina com aniversariantes que amo demais! Aliás, estendo que a temporada taurina-geminiana é minha preferida do ano porque me deu de presente “coisas” monumentais: amizades absurdas, amores colossais, tudo grande, imenso, exagerado mesmo, conexões que atravessam rasgando goela abaixo deixando marcas profundíssimas que exibo com orgulho porque pouco amor é besteira, pouco amor não é amor.

Lembrar desses rostos me faz avançar na corda. Amar me dá coragem, amando eu avanço sem medo. Tanto faz se eu cair.

A Tainá disse que correu na chuva e lembrou do dia que corremos juntas, mas não na chuva, na pista, e teve aquele outro dia na areia também. Mas Tainá correu na chuva lembrando de mim e eu achei isso tão lindo. Hoje o sol está vibrando e eu também, se chover eu vou lembrar da Tainá, e de amigos, e de amores e de que eu acho bonitos, ah como eu acho bonitos os raios e os trovões!

Eparrei, Oyá! Me põe em meu lugar.

Senhora das nuvens de chumbo
Senhora do mundo dentro de mim
Rainha dos raios, rainha dos raios
Rainha dos raios, tempo bom, tempo ruim

 

4 comentários

  1. José disse:

    Muito boa leitura, obrigado pelo tempo bem aproveitado.

    Ps.: Não há tempo melhor que o chuvoso, que camufla tuas lágrimas entras as gotas d’água.

  2. Elvis Jordan disse:

    Que lindeza! Pura poesia…singela…profunda…me encontrei nas suas palavras e…vez por outra, me pego inventando distrações pra fugir do barulho ensurdecedor dos trovões. Os lá de fora e os aqui de dentro. Grato por me fazer transbordar…

  3. Jane Santos disse:

    Que texto lindo! Tão singelo e ao mesmo tempo forte! Deixa a chuva cair e fazer lama. Essas lembranças são a vida.

  4. Sibele disse:

    Li e me senti pertinho de Lorrana! As suas palavras são como gotas da chuva, mas tocam alma.

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