Fortaleza, CE
contato@muraldaanapaula.com.br

Na Minha Pele

Acordei em 16 de março último imaginando o que havia por fazer durante o dia que se iniciava. Nada do que pensei teve como acontecer. De repente, tudo parou. A pandemia causada pelo novo coronavírus bateu à porta e a vida mudou. Trabalhar de casa, novas medidas de higiene a serem seguidas com rigor, uso de máscaras, isolamento social, avalanche de notícias e medo. Os dias se tornaram iguais em sua imprevisibilidade, em sua diferença.

 A nova ordem leva o nosso olhar para a vulnerabilidade da existência. Números, testes, gráficos, morte. O tempo, que nunca se fazia suficiente para os nossos compromissos e desejos, passou a nos desafiar em todos os sentidos. Atônitos, buscamos estabelecer marcos, referências para o que sentimos e pensamos.

 Solidão para alguns. Convívio forçado para outros. Companhia, privilégio de poucos. A condição ideal inexiste. São muitas perguntas sem respostas e as certezas de antes não se sustentam mais. Diante do caos, o império da sobrevivência ativa mecanismos de defesa dos mais variados. É preciso dar sentido a uma luta onde desconhecemos as próprias armas e as do inimigo. A arte, mais que nunca, se confirma como sustento do espírito, como salvação. A fé comprova a força do intangível e se manifesta no embate contínuo com o cotidiano talhado na dor.

Sigo lançado mão do que sou, do que tenho, do que posso, do que acredito. Da minha janela, contemplo o pôr do sol, a noite e o silêncio. Agradeço por cada dia e pelas condições de vivê-lo sem o sofrimento que a miséria impõe a tantos. Sinto muito por cada vida perdida. Vida de quem não conheço, vida de quem é próximo a quem conheço, vida de quem conheço ou conheci e, nesses casos, a escolha do tempo verbal implica na aceitação de uma nova realidade que pede um tempo para se estabelecer.

Meu corpo tem sido anteparo a tanta mudança. Guarda em forma, cores, posturas, fluídos e odores tudo o que me atravessa. Os novos ritos hão de se estabelecer mas, até que isso aconteça, é na carne que vivo o luto e celebro a memória dos que se foram e deixaram a própria história como herança. 

Um comentário

  1. Ana Luiza Silva Farias disse:

    Reflete com delicadeza a nossa realidade.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *