Como surge o encontro de almas que caminham para o mesmo propósito? Para o Coletivo Nossa Voz, tudo começou com a oficina de Canto Popular ministrada pela Aparecida Silvino no Porto Iracema. Apesar de terem 50 pessoas presentes no local, a Aparecida soube exatamente quais seriam os escolhidos para compor o, até então inexistente, coletivo. É difícil dizer ao certo como cada um foi escolhido, mas a conexão surgiu, de forma fluida, natural. E o Coletivo nasceu junto, com o objetivo de doar. Um grito pelo amor, pela arte e pela liberdade.
Apesar das diferenças de idades e personalidades, a música foi o elo forte de união entre cada um dos integrantes, que juntaram suas vozes para propagar algo muito maior e cantar sobre existência. Foi dessa forma que surgiu o espetáculo “Nossa Voz tem Vez”, responsável por apresentar o grupo ao público. Sob direção geral de André Ximenes e direção musical de Aparecida Silvino, a Apá, os ensaios foram acontecendo e a união se tornando ainda maior. “A gente queria falar sobre a nossa existência. Nisso está o festejar, falar das nossas dores, dos nossos amores, das nossas rejeições, das nossas lutas. Tudo isso envolve existência”, compartilha André.
E para cantar sobre existência, grandes nomes da música tiveram suas canções escolhidas para compor o espetáculo, como Belchior e Lenine, que também deram o tom político buscado pelo grupo. Nos ensaios, a construção foi acontecendo de forma conjunta e cada música se encaixando em seu lugar. Também não foi preciso dizer quem cantaria cada canção, a sensibilidade guiou a escolha e cada um encontrou sua história em uma das canções. Como foi o caso de Adna Oliveira, que descobriu dentro de si toda a força para interpretar “A Loba”, e, de fato, deu um show, não cantando “A Loba” de Alcione mas, sim, “A Loba” de Adna, dando seu toque em cada estrofe.
Com o espetáculo montado e cada música em seu devido lugar, ainda parecia faltar algo. Foi assim que os integrantes se uniram para compor a canção “A Nossa Voz”, que deu nome ao show. Não faltava mais nada, as cortinas estavam prontas para subir e os artistas no ponto de fazerem as performances de corpo e alma.
Foi assim que eles subiram no palco do Theatro José de Alencar (TJA) para fazer a primeira apresentação como um coletivo. Mesmo com cada detalhe bem ensaiado e as posições marcadas, no palco aconteceu um verdadeiro show particular. Música após música eles foram se sentindo mais confortáveis e a troca de energia com a plateia seguiu o mesmo ritmo. Até que eles pareciam não estar mais lá. A insegurança e o nervosismo deram lugar à sensação de flutuar, de estar arrebatado e fazer parte de algo que nem mesmo eles são capazes de tentar explicar. “O palco do Theatro José de Alencar é uma coisa que é linda, que deixa a gente feliz, mas que tem aquele peso. No nosso coletivo, mesmo nas inseguranças que acontecem durante os ensaios, há o apoio de cada um, te fortalecendo, até no olhar. E isso aconteceu no palco. Então, é essa energia de encorajamento, de empoderar um ao outro, que faz a gente subir em qualquer palco”, reflete Adna.
Essa energia e união permaneceram até a nota final. Juntos, eles tiraram um nó da garganta, deles e da plateia, cantando sobre resistência em uma época em que a cultura encontra as portas fechadas e grita pela urgência em ser ouvida. O espetáculo era a própria liberdade. Para André, “a arte transpassa várias coisas. Ela atravessa o ser humano onde ele não tem defesa. Ela tem esse poder revolucionário também. De conseguir ocupar espaços que um discurso puramente político muitas vezes não é aceito. Ela tem esse poder democrático[…] Se você tem cultura, ninguém tira de você”.
Entrega no olhar
É no “Canto da Apá”, espaço cultural de Aparecida Silvino, onde os ensaios acontecem. No lugar, o grupo se reúne para cantar o que os move e compartilhar a vida. Já era noite quando chegamos. Do térreo, uma voz grave nos conduziu ao encontro do coletivo. Subimos as escadas. “Gostoso demais”, canção de Nando Cordel e Dominguinhos, era a trilha sonora a partir de então.
Em um círculo, os artistas eram conduzidos pela voz e pelo teclado de Aparecida Silvino. “Não fuja da sua própria saudade. Fique o máximo possível em contato consigo. Pensa nessa saudade, naquilo que tem dentro de você. Traz aquela memória” – a artista dizia, em referência à música cantada. Os olhares vibravam e a conexão corporal pairava pelo ar.
Apá Silvino, André Ximenes, João Dias, Naiara Ferrer, James Pierre, Adna Oliveira, Matheus Lopes, João Souza, Mariana Costa, Jéssica Malheiros e Isadora Cid fazem parte do Coletivo Nossa Voz. Em comunhão, declaram querer reverberar a existência em suas apresentações. Para os cantores, “há um apoio no olhar, algo meio mágico” dentro do grupo, capaz de erguer forças e trazer de volta à vida. Eles dizem que estão se preparando para cantar, sempre, “amanhã”. Não importa onde.
Segundo Aparecida Silvino, a arte tem o poder de “ancorar essa energia humana e espiritual, que vai depender de quem assiste, de quem sente. Mas é ancorar uma coisa necessária. De esperança, de tranquilidade, de revolta. A arte dá voz ao corpo da pessoa que não consegue falar. A arte ancora uma multidão de significados. Ela dá vitalidade”, relata.
Após a estreia no TJA, o Coletivo se apresentou também na Caixa Cultural e segue buscando novos espaços e cultivando a ideia de se apresentaram em mais locais abertos, como praças, e até mesmo viajar para outros lugares. Para 2020, ainda não existe previsão para nova data de show. Se você, assim como nós, acredita no poder da arte e da cultura, pode saber mais sobre o projeto e como ajudar acompanhando as redes sociais (@coletivonossavoz no Instagram) e por e-mail no contatocoletivonossavoz@gmail.com para mais informações.
Veja mais sobre os integrantes:
Aparecida Silvino
Cantora, compositora, regente de corais, arranjadora, preparadora vocal e pianista com mais de 30 anos de carreira. Apá, como é carinhosamente chamada, ganhou inúmeros festivais ao longo da sua trajetória, como o I Festival de MPB da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará.
André Ximenes
Ator, bailarino e cantor. Designer pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Sua atuação no musical “Iracema dos Lábios de Mel” está entre os seus principais trabalhos.
João Dias
Arquiteto e Urbanista, compositor e poeta. Fotógrafo amador também. Adora a literatura de Jorge Amado e é frequentador assíduo da Praça do Ferreira.
Naiara Ferrer
Atriz e cantora. Fez Artes Cênicas na Oficina de Atores Brasil. Entre seus principais trabalhos, estão o musical “O Corcunda de Notre Dama” e o filme “Bate Coração” (Dir. Glauber Filho).
James Pierre
Cantor, ator, compositor e publicitário com dois álbuns disponíveis no Spotify. Estreou na TV com o telefilme “Baião de Dois” (TV Verdes Mares). Atua no musical residente em Fortaleza “Ceará Show – Agora Eu Conheço!”.
Adna Oliveira
Cantora e atriz com atuação em diversos coletivos. Integrante do Coletivo Arremate de Teatro, da Roda de Samba, SAMBADELAS, e do coletivo NEGRA VOZ. Em 2017, participou do Broadway Brasil cantando “Ciclo sem fim”.
Matheus Lopes
Músico, ator, cantor, diretor e produtor. É vocalista do grupo “Um samba pro seu Zé”. Criou o projeto “Belchior está aqui”, um tributo em homenagem ao cantor cearense. E atua na Anacetaba Filmes, produtora de cinema de São Gonçalo do Amarante.
João Souza
Arquiteto e Urbanista, músico, cantor e compositor. Tem como referências musicais Ednardo, Belchior, João Bosco, Jorge Du Peixe e Dominguinhos.
Mariana Costa
Atriz, cantora e estudante de Direito. Integra o musical “Ceará Show”. Entre seus principais trabalhos, estão o longa-metragem “Por Trás da Porta” e o curta “Encontro Desmarcado”.
Jéssica Malheiros
Jornalista, produtora cultural e artista. Já participou de festivais nacionais e internacionais de dança, dentre eles o Passo de Arte Norte/Nordeste e o Internacional de Danças Urbanas em Curitiba.
Isadora Cid
Cantora e estudante de Arquitetura. É aluna do Centro Cultural Canto da Apá. Como artista, participou de diversos recitais durante sua participação no Coral Juvenil do Colégio Ari de Sá Cavalcante.