Durante meus primeiros encontros com o disco “Alucinação”, lembro de poder ouvir as barreiras do tempo serem ultrapassadas. São poucas as obras em que a eternidade se afirma com tanto afinco. Uma pontada de indignação me acerta no meio da testa toda vez que canto suas palavras. Saudade, talvez. Ou quem sabe assombro diante de tamanha genialidade.
Belchior veio ao mundo em 1946, no seio de uma típica família nordestina de Sobral. Desde a infância já gostava de música, poesia e filosofia. Almejava ser escritor, mas se descobriu na dilatação da palavra: o canto.
Em 1971, abandonou a faculdade de medicina e mudou-se para o Rio de Janeiro, pretendendo iniciar carreira na música. Foi lá que o artista conquistou a primeira colocação no Festival Universitário da Música Popular Brasileira com a canção Na Hora do Almoço.
Com o lançamento do seu primeiro LP, em 1974, que trazia músicas como A Palo Seco e Todo Sujo de Batom, o cantor preparou o terreno para sua grande consagração que viria em 1976 com o disco Alucinação. O álbum contava com as emblemáticas Apenas um Rapaz Latino-Americano, Como Nossos Pais e Velha Roupa Colorida, clássicos da música brasileira.
Belchior promoveu, através de suas letras, ideias libertárias, reflexões e protestos filosóficos cuja compreensão vai além das linhas. Belchior canta com uma consciência sensível, exclamando contra a miopia social, ao mesmo tempo em que encarna um singelo enigma. Era poeta, filósofo, e professor.
Os últimos anos de sua vida foram marcados pela reclusão. Belchior já não fazia shows e nem mesmo aparições públicas. Devido sua condição de artista, seu desaparecimento foi tido como loucura, estapafúrdico e de caráter financeiro. Vivendo no anonimato, suas andanças eram mistério. Mas indiferente à teorias e fantasias, Belchior confirmava que amar e mudar as coisas lhe interessava mais.
Em 30 de abril de 2017, enquanto dormia, Belchior sofreu um aneurisma da aorta, e faleceu aos 70 anos. Se foi em liberdade, desobediência e inquietação. Imenso, intenso e selvagem, como sua obra. Como a saudade.