Fortaleza, CE
contato@muraldaanapaula.com.br

AMY WINEHOUSE: NEM A MORTE A ENCERRA

A memória de Amy Winehouse é, embora irrefutavelmente célebre, atravessada por leituras superficiais que reduzem-na à “cantora problemática”. Apesar de recorrente, tal reducionismo infeliz não encontra sustento nem mesmo no mais breve dos mergulhos em sua trajetória que, em revelações comoventes, expõe que nada de simples jamais alcançou Amy. 

Nascida em 14 de setembro de 1983 em Londres, a cantora, ainda na infância, testemunhou abusos no relacionamento dos pais. Afetada por traições por parte de seu pai Mitch, que mais tarde casou com uma de suas amantes, a relação resultou em divórcio. 

A separação dos pais espelhou reações agressivas no comportamento de Amy que, para redirecionar sua energia rebelde, ingressou em uma escola de artes, onde desenvolveu o canto e passou a investir em audições para papéis musicais, movimento que a levou, aos treze anos, à conceituada Sylvia Young Theatre School. 

Seu evidente talento, porém, não a isentou dos problemas com os estudos e, em função de seu comportamento aéreo que ameaçava sua reprovação, Amy mudou de escola. Longe de estímulos artísticos, teve uma experiência pouco proveitosa no novo ambiente acadêmico, o que a distanciou ainda mais dos estudos e a levou à largá-los aos 15 anos. 

O período conturbado desencadeou no uso de maconha e na manifestação de uma bulimia nervosa. Já é possível notar, nesse momento, o desarranjo do seu estado emocional que, de natureza frágil, revelava sua condição de vulnerabilidade. 

A música era, portanto, uma espécie de refúgio. Amy apresentava-se em pequenos clubes,  até que seu amigo, Tyler James, empolgado com seu espantoso talento, a convenceu a gravar suas músicas em uma fita para ser entregue ao seu empresário, Nick Shymansky. Absolutamente maravilhado com a voz diante de si, Nick logo providenciou um contrato para ser assinado por Amy, que passou a ser empresariada e não tardou a se lançar em suas primeiras produções. 

Seu primeiro álbum, Frank, veio em 2003. Bem recebido pela crítica, o disco apontava Amy como uma artista diferenciada, para dizer o mínimo. Na contramão dos sucessos comerciais, suas músicas tinham forte influência do jazz e letras de emanações pessoais bastante sinceras. 

O período foi de evidente satisfação para Amy que, nessa época, parecia estar bem emocionalmente. Sua relação com a mídia era, inclusive, descontraída e tranquila, sendo a cantora descrita por jornalistas como alegre e divertida. 

Mas, infelizmente, em 2005, Amy conheceu Blake Fielder-Civil, o homem que transformaria bruscamente o eixo de sua vida, guiando a cantora à resoluções perversas e compulsivas que a jogariam no olho do furacão. 

A relação na qual embarcaram naquele mesmo ano era, desde o começo, neurótica e nociva. O casal desenvolveu uma obsessão mútua, abundante em consumo de drogas e visivelmente doentia. Blake chegou a assumir, mais tarde, ter sido o responsável por arrastar Amy para o caminho que a levou à morte, tendo ele a iniciado no uso de drogas mais pesadas. 

O relacionamento instável teve inúmeros altos e baixos e idas e vindas. Seu segundo álbum, Back to Black, espelha com fortes contornos melancólicos sua vida amorosa com Blake. 

O disco foi um acontecimento estrondoso, rendeu à Amy reconhecimento massivo e vários prêmios. No entanto, junto ao sucesso, crescia também o vício. Nessa época, além do término doloroso com Blake, Amy havia perdido recentemente sua avó Cynthia, pela qual nutria imenso apego. 

Abalada e debilitada, a cantora se entregou às drogas e teve seu organismo, já enfraquecido pelas graves consequências da bulimia, ainda mais deteriorado. Foi nesse momento que seus empresários, preocupados, tentaram colocar Amy na reabilitação. Dessa iniciativa (desaprovada pelo pai), nasceu Rehab, uma das músicas de maior impacto em todo o século. 

Em 2007, Amy reatou o namoro com Blake, e os dois casaram-se em Miami. Longe de aparentar melhora, o relacionamento demonstrava, a essa altura, atingir a violência física, uma vez que ambos eram vistos com arranhões e sinais de mutilação. 

Tal violência se refletia no comportamento da cantora com a mídia, que explorava excessivamente sua imagem em insensibilidades diárias e vendia sua fragilidade aos tabloides.  

Assédio dos paparazzi, consumo excessivo de bebidas alcoólicas, detenções por porte de drogas, e a prisão de Blake, condenado por agressão, resultou em desastrosos danos para Amy. A cantora, no auge de sua carreira, manteve suas apresentações, mas entregou trágicas performances em tropeços embriagados e insatisfação do público. 

Em 2008, o emblemático episódio onde ganhou cinco prêmios nas categorias mais importantes do Grammy, intensificou sua realidade e lhe conferiu um sólido e significativo lugar no centro dos holofotes. Foi sua consagração. 

Em 2009, na tentativa de desfrutar de alguma normalidade, Amy passou vários meses em uma espécie de retiro familiar em uma ilha caribenha. Ela ganhou um aspecto visivelmente mais saudável, parecia estar caminhando para a estabilidade. Até que seu pai, em uma visita, levou uma equipe de filmagem para o local com a finalidade de gravar seu próprio documentário. O episódio deixou Amy, que já estava lidando com o processo de divórcio movido por Blake (que alegou adultério por parte da cantora que surgiu ao lado de um outro homem em fotos tiradas na ilha), bastante chateada. 

Em 2011, Amy se internou. Mas, estranhamente, foi liberada uma semana depois para seguir com a agenda de shows, decisão claramente equivocada, visto que o primeiro show de sua nova turnê foi marcado por trágicos momentos que transformaram Amy em motivo de piada. Esse foi seu último show. 

Em 23 de julho de 2011, Amy foi encontrada morta em sua casa, vítima de overdose alcoólica. 

Nós, como sociedade, falhamos com Amy. Ao debochar de seu estado, ao faltar com empatia, ao conhecer sua realidade áspera e ignorar os sintomas de seu esgotamento,  reforçando a pressão e exploração midiática. 

Havia em Amy uma humanidade de exuberância tanta, que tornava-se desagradável aos olhos da multidão. Multidão essa que não permite a fraqueza aos artistas, ainda que sejam estas as criaturas que com maior intensidade estabelecem abertura e contato com suas próprias emoções, as expondo e dividindo-as com o público.  

Amy Winehouse foi, sem dúvidas, uma das expressões mais bem acabadas do talento para a música. Uma força da natureza, que nem mesmo o descontinuar do sangue matéria foi capaz de interromper seu pulso. Ela nasceu com a arte vibrando nas veias, e hoje é Amy quem corre na veia artística do mundo. 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *