Parte 3 – O Eterno Feminino de Kar-Wai
Hoje chegamos ao fim de nossa caminhada por trilogias poéticas, e para fechar da forma mais linda possível, vamos conversar um pouco sobre a Trilogia do Eterno Feminino, do diretor chinês Wong Kar-Wai. Clique nos links para ler a parte 1 e a parte 2.
Tudo o que eu escrever aqui, a partir de agora, escrevo mais com o coração do que deveria, pois cá está o meu cineasta favorito, o gênio chinês Wong Kar-Wai. Em sua Trilogia do Eterno Feminino (nome não oficial), Kar-Wai, assim como vimos em Kieślowski, também apresenta alguns personagens distintos, e histórias por vezes dissociadas. E embora seja perfeitamente possível assistir o primeiro e o segundo filme de maneira independente, sou defensora de que é necessário assistir em ordem para melhor compreensão do enredo.
No Eterno Feminino, o diretor abusa de seu knowhow impecável para filmar cenas intimistas e de sua estética avassaladora (créditos para a fotografia de Christopher Doyle) para contar histórias de amores, sejam eles frustrados, platônicos ou futuristas. Kar-Wai consegue, como sempre, criar uma série de longas com atmosferas específicas, e você vai entender se assistir, afinal de contas, assistir um WKW, é o mesmo que entrar numa viagem quase sensorial de luzes, sombras, cores e imagens.
No primeiro filme, “Dias Selvagens” (1990), é a história do jovem Yuddy (o querido Leslie Cheung) que inicia a tríade. O rapaz rebelde, imaturo e incapaz de retribuir o amor de seus interesses amorosos, trata as mulheres com desprezo. Coincidentemente, descobre que ele mesmo foi desprezado pela mãe, que o abandonou ainda bebê aos cuidados de uma meretriz, que o criou como filho. Aqui, Yuddy busca apenas o amor que lhe foi negado, e assim nega seu amor a todas as outras mulheres que o rodeiam. Conhecemos ainda neste filme os protagonistas dos longas subsequentes, muito ou quase nada relacionados com a trama principal que se desenrola no mundo esverdeado de Wong Kar-Wai.
É somente dez anos depois que somos apresentados a “Amor à flor da Pele” (2000), o segundo filme da trilogia independente e o auge estilístico do cinema de Hong Kong. É nesta produção que Kar-Wai atinge seu ápice de transmitir o belo e sua capacidade de retratar sentimentos através da estética que consegue imprimir nas cenas deste filme. No longa acompanhamos, quase como quem espia, o desenvolvimento de uma relação entre a senhora Chan (a musa Maggie Cheung) e o senhor Chow (Tony Leung Chiu-Wai, a lenda do cinema asiático). Os vizinhos acabam descobrindo que seus respectivos cônjuges estão tendo um caso, e assim, na solidão diária de suas rotinas em tons de vermelho, acabam se apaixonando sem jamais consumar o amor fulminante que sentem um pelo outro. Você provavelmente vai sair apaixonado ou suspirando pelos cantos depois de sentir a química estrondosa entre Maggie e Tony, ao som do repetido Yumeji’s Theme e de Nat King Cole cantando “Aquellos ojos verdes”.
Sem precisar esperar mais uma década, em 2004, a trilogia é concluída com o brevemente futurista “2046 – Os Segredos do Amor”, onde mais uma vez o senhor Chow é o protagonista da história, contudo, aqui com personalidade bastante distinta daquele que conhecemos há quatro anos atrás. Em 2046, calejado por suas próprias frustrações, o “novo” Chow passa os dias escrevendo um romance sci-fi que se passa no ano de 2046 (o número tem uma conexão com o segundo filme), e ao mesmo tempo, se relaciona com diferentes mulheres, sem nunca encontrar a mesma paixão que nutria pela antiga vizinha, a senhora Chan. Afinal de contas, como diz Chow: O amor é uma questão de timing: de nada vale encontrar a pessoa certa muito cedo ou muito tarde. Para 2046, Kar-Wai abusa de um elenco de peso, com nomes como Zhang Ziyi, Gong Li, Faye Wong, Carina Lau e Chang Chen.
Na minha humilde opinião, WKW faz filmes principalmente para aquelas pessoas que se mantém ainda românticas nesses frenéticos dias atuais, e eu o agradeço de coração por isso. Bem, eu poderia passar mais horas e horas conversando sobre Wong Kar-Wai, e sobre como assistir suas obras primas abriu meus olhos para as possibilidades do cinema em cantonês, contudo, sem mais me prolongar, deixo vocês com os trailers da trilogia do Eterno Feminino (que só achei com legendas em inglês).
Dias Selvagens
Amor à flor da pele
2046 – Os Segredos do Amor
Os três filmes estão disponíveis na plataforma de streaming MUBI.