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Marte Um: com ou sem Oscar, a gente dá um jeito

Deivinho, nascido na periferia da cidade mineira de Contagem, numa família pobre, de pessoas negras, com oportunidades minguadas, quer virar astrofísico. Marte Um, longa metragem da jovem produtora Filmes de Plástico, desenvolvido (boa parte) em pleno Brasil bolsonarista, por um diretor negro, com elenco preto, quer disputar o Oscar. É o seguinte, para os dois desafios, apenas uma resposta me vem à cabeça: se é isso que vocês querem, “a gente dá um jeito.”

Registro do título de Marte Um, por Alice Araújo

 

Assisti Marte Um, de Gabriel Martins (34), há duas semanas atrás, num Cinema do Dragão do Mar lotado, com uma plateia que sorria e chorava em uníssono interagindo com os altos e baixos da família Martins. Olhando o público ao meu redor, vi gente se vendo em cada personagem, vi gente orgulhosa do filme incrível que luta para representar o Brasil no Oscar 2023. Vi gente, tal qual Deivinho, olhando para cima, e mirando alto, acreditando que é possível um Brasil mais esperançoso, mais sonhador, e mais capaz.

Deu para perceber que a história de Deivinho (Cícero Lucas), garoto que os pais sonham ver brilhando no futebol – assim como muitos neste país -, tocou fundo. Mas também foi possível notar que como a do protagonista, as histórias da mãe Tércia (Rejane Faria), do pai Wellington (Carlos Francisco), e da irmã Eunice (Camilla Damião) também foram sentidas de maneira especial por quem assistia. Marte Um pareceu um espelho, onde a plateia se olhava, hora triste, hora contente. 

O que me chamou atenção, talvez acima de tudo, foi o calado Deivinho, de olhos doces e expressivos. Me maravilharam as cenas em que as tranças azuis da namorada de Eunice passeiam no corpo da moça; ou quando Deivinho encara a descida da ladeira ao som de um foguete decolando. E para mim foi difícil conter as lágrimas quando o menino compartilha com a irmã o sonho de ser astrofísico, e claro, o tão comentado diálogo final. 

E exatamente aí, bem ao fim da sessão, depois da emoção coletiva com as três frases que encerram a película, muitas foram as palmas, mas na hora, me pareceu que poderíamos continuar aplaudindo por muito mais tempo. Gabriel Martins, o jovem (e estiloso) diretor da obra prima acompanhava a sessão e claro, foi devidamente ovacionado ao final dela. 

Gabriel Martins, diretor de Marte Um em debate no Cinema do Dragão, por Alice Araújo

Durante o bate-papo que se seguiu, Gabriel, com aquele sotaque mineiro bom de mais de se ouvir, explicou que a ideia de Marte Um surgiu após a Copa de 2014, e do sonho de muitos pais de verem seus filhos brilhando no Futebol como o tal do “menino Neymar”. O cineasta também defendeu o caráter autobiográfico do filme em determinados aspectos, e compartilhou com os cearenses os trâmites da corrida para o Oscar, respondendo perguntas e elogios da plateia. 

Depois desta experiência de assistir e debater o nosso escolhido para tentar uma vaga na categoria de Filme Internacional do Oscar, saí com esperanças renovadas. Seja por presenciar a potência que o Brasil teima em continuar sendo em meio a adversidade (assim como Deivinho), seja por continuar acreditando no povo brasileiro e na força e na resiliência de lutar por um amanhã melhor. Um amanhã que incentive Deivinhos, que incentive mais Gabrieis, e mais Eunices. Num futuro que aposte na cultura, e na educação dos jovens do nosso país… 

Em algum momento do discurso, o diretor parafraseou Glauber Rocha, dizendo: “Mais fortes são os poderes do povo”. E olha, eu acredito que para alcançarmos esse sonho, e para ajudarmos Deivinho a chegar lá também, rumo às estrelas, só com os poderes do povo, porque esses sim, são os poderes mais fortes e capazes que existem. Afinal de contas, a gente sempre dá um jeito.

 

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