30 de Novembro de 2022
Vovó Carmelita,
Tenho lembrado muito da senhora nos últimos dias. Acho que no mundo existem acalantos que só uma avó pode proporcionar e sinto falta de alisar sua pele fina e passar a mão pelos seus cabelos brancos. Ainda que tenha passado tantos anos, ainda sinto seu cheiro na rede vermelha que por vezes eu até durmo nela. Estou falando de saudade e me vem os versos do Gilberto Gil afirmando que “eu pensei em ti, eu pensei em mim, eu chorei por nós”.
Por mais que estejas em minha memória todos os dias, peço desculpas por só agora ter coragem de te escrever, minha vózinha, e não é por nada não, é que hoje eu saí do jornal. Se estiver pensando que deixei de ser jornalista, isso jamais, me orgulho da formação acadêmica que tive e este ofício é uma vocação, porém depois de cinco anos pedi demissão e deixei de trabalhar na redação que tão fez parte de mim neste meu quarto de vida.
Mamãe está sofrendo, não por discordar da minha decisão, mas por saber que parte de mim ainda seguirá por lá, no cruzamento da Rua Chateaubriand com a Av. Desembargador Moreira, então para ela não posso desabafar. Se fosse escrever para o meu pai não sei se seria compreendido – a senhora sabe o filho que tem – então vim atrás do teu colo falar de um sonho que compartilhamos em momento diferente.
Vó, eu sei da sua história, sei da sua vontade de ser jornalista mas a vida lhe foi muito cruel até o fim, sua alegria só escondia as dores que carregava dentro de seu coração. Quanto ao seu desejo pela escrita, sofreu pelo machismo da década de 1940 que uma mulher mal podia frequentar uma universidade, ainda mais de jornalismo.
Mesmo que de forma póstuma, dois de seus netos realizaram esta conquista. A primeira foi a Carol que sempre demonstra coragem em ser quem é, cheia de personalidade e altivez. Anos depois fui eu, que quase ficava pela arquitetura, mas a vontade de ser jornalista pulsou mais forte e tenho a certeza que fiz o certo ao trocar de curso, apesar das críticas.
A jornada não foi fácil, aliás, nunca é! Anos de faculdade que quase sempre convergiram com estágios e assim fui contratado. Apesar dos perrengues, sempre disse que era “bicho de Redação”, o que não era mentira. Atuei no jornalismo de televisão, rádio e no digital, ainda escrevi umas crônicas para o impresso. Acho que fiz de tudo um pouco…Uma amiga me dava sempre carão por tentar abraçar o mundo, mas foi do meu jeito. Fui produtor, colunista, repórter, comentarista e ainda quebrava o galho na edição.
Que cinco anos intensos, Dona Carmelita, porém chegou a hora de partir e saber fechar ciclos no auge, podem até não ser lucrativos (monetariamente), dignificam uma trajetória com os louros de uma carreira que está só começando. Hoje, no meu último dia recebi as mais diversas homenagens, aplausos, discursos, bolo, flores além das lágrimas dos meus amigos de jornada que comungavam com as minhas.
Foi um dia difícil, Vovó, um dia que eu queria chegar em casa e saber que a senhora havia chegado de surpresa para me visitar e passar o fim de semana. O músico mineiro diz que ‘a hora do encontro também é de despedida”, mas completo com uma frase de uma dupla sertaneja cafona para dizer que “não aprendi a dizer adeus” e por essa falta de sabedoria também lhe escrevo hoje.
Abri mão hoje de parte do meu sonho, Vó, do nosso e de seu filho, meu pai. Não foi fácil, mas foi preciso e aquela maturidade que a senhora sempre via no olhar de seu caçulinha regurgitou e firmou minha decisão tanto na hora de escrever a carta demissional como esta confissão emocionada.
Tenho muito medo do que estar por vir, mas não covardia. Quero novas metas, amores e desejos. Há pouco, me despedi na redação e ao olhar para minha cadeira a última vez me despedi de uma versão minha e recriar-me não vai ser fácil, apesar desta ser minha maior vontade.
Não conta para ninguém que estou assim não, viu? Estou apavorado com a solidão que já bate na porta sem a rotina e o cerco de meus colegas. Tenho pânico de pensar no desemprego mesmo que eu tenha pedido por ele. Ainda assim, uma paz enorme me faz dormir melhor. Tenho poucas certezas, Vovó, porém três me bastam: que continuarei sendo jornalista, da minha personalidade e trajetória digna e do seu apoio e zelo aí do outro lado.
Te amo e obrigado pelo ombro!
De seu neto “caçulinha”,
Heitor de Almeida