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Tempo de estranhar

O estranhamento é revolucionário, chacoalha certezas e provoca reflexões. Vinte e cinco anos atrás, mergulhei até o pescoço em um caldeirão cultural chamado Nova Iorque.

Estranhei desde pisar em grãos de sal misturados à neve que cobria ruas e calçadas, até assistir a filmes antigos esparramada no gramadão do parque, além de partilhar assentos escolares com jovens colegas de origem asiática que, vez por outra, apareciam com o rosto parcialmente coberto por máscaras cirúrgicas descartáveis.

Nunca ousei perguntar – nem presenciei ninguém fazê-lo – o motivo de estarem usando máscara. Os aprendizados mais extraordinariamente simples e preciosos daquele ano de espantos foi não perguntar o óbvio e não invadir a privacidade alheia. Se estavam usando era porque precisavam. Ponto.

Trago essas memórias de 1997 porque estamos no final do terceiro ano de uso do tal acessório como forma de prevenção ao espalhamento do novo coronavírus – que já matou quase 7 milhões no mundo e deixou milhares com sequelas permanentes –, e percebo que muitos ainda não assimilaram o tamanho da própria responsabilidade.

Sob ameaça de uma nova onda de Covid-19 no Brasil, reforcei o uso da máscara e tenho evitado locais fechados e aglomerados. A pergunta em tom de crítica que mais ouço é: “Por que está de máscara?”. Tento argumentar – em vão – que ela protege a população como um todo, tanto idosos com comorbidades naturais da idade, quanto jovens e crianças que estejam enfrentando, por exemplo, um tratamento de câncer e cuja
contaminação pode resultar em morte.

Eu me pego pensando em quando atingiremos o grau de conscientização e civilidade dos meus ex-colegas asiáticos naquele fim de século em Nova Iorque, de não contribuírem para o aumento de infecções respiratórias que podem ser letais para indivíduos mais vulneráveis.

Quisera eu neste Natal reviver abraços sem riscos de contágio. Enquanto isso não for possível, continuarei mantendo os cuidados para que todos tenhamos uma celebração tranquila. Para o novo ano, desejo esperança restaurada e um tempo de muitos estranhamentos e bons aprendizados.

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