As águas que caem sobre Fortaleza já anunciam a quadra chuvosa e novas safras.
Abrigada em meu refúgio criativo, observo a mudança de estação e penso na última frase do livro “A hora da estrela”, que acabo de reler. Outra autora poderia tê-la inserido ao acaso, mas Clarice não desperdiça metáforas.
A meu ver, ela quis mostrar a vida em sua plenitude, com suas contradições, limites e fragilidades, o que não nos confere a regalia de esbanjá-la com atos e sentimentos inúteis ou exterminadores.
Seria bom que refletíssemos desde cedo sobre impermanência e evolução civilizatória.
Se eu pudesse dialogar com a jovem que fui, recomendaria aceitar as transformações sociais ou de comportamento, pois elas virão de todo jeito; melhor manter-se conservadora apenas em valores como compaixão, respeito e solidariedade.
Advertiria combater discriminações de qualquer ordem: contra pobre, estrangeiro, deficiente, analfabeto, população em situação de rua, preto, índio, gay, lésbica etc., ou seja, não julgar a partir das próprias crenças e costumes.
Diria-lhe para informar-se a fundo em fontes sérias, desconfiar sempre e ampliar o horizonte para não se deixar manipular pelo primeiro tirano que cruzar o caminho.
Orientaria perdoar: humanos erram, são penalizados e resgatam o direito de continuar a travessia; para tanto, precisam do apoio da sociedade. Indivíduos inspiradores, como Gandhi, Mandela e Luther King – ativistas de falas potentes que milhares adoram replicar nas redes –, foram condenados e presos.
Aconselharia recusar o posto de guardiã da moral e da honestidade; a perfeição, além de ilusória, é autoritária, habita de preferência mentes desvairadas. Por extensão, advertiria reprimir a sanha de destruir os símbolos democráticos do seu país, vai que o Brasil resolve punir exemplarmente ditadores e golpistas.
Por fim, avisaria que o mundo não gira em torno de alguns privilegiados; que utilize a sabedoria e potência para ajudar os desafortunados, há às pencas; que evolua rápido, a vida acaba num estalar; e “não esquecer que por enquanto é tempo de ‘cajus’”, com desculpas à eterna Clarice pela reescrita nordestina.