Um ano atrás, passei a noite na casa da minha mãe velando o seu sono, do jeitinho que ela fazia comigo e com minha irmã sempre que adoecíamos na infância.
Eu sabia que ela estava partindo e eu queria estar ao seu lado quando chegasse o momento. De manhã cedinho, ela largou a minha mão e se foi para sempre.
Essa memória triste suscitou muitas passagens da minha vida com ela, algumas leves e engraçadas, como a dos seus flagras no meu pão francês mergulhado no café. “Faço só aqui em casa, mamis!”, eu blefava.
“Costume de casa vai à praça!”, ela alertava. “Não é educado”, ela insistia, mas a visão da manteiga derretendo no café e o sabor que acrescentava ao pão valia qualquer bronca materna.
Minha mãe cresceu em meio à simplicidade do campo, mas na juventude – como estudante na capital – adquiriu certo refinamento e fez questão de transmitir às duas filhas.
Décadas se passaram e eu nunca abandonei o velho hábito. Tomar café da manhã fora de casa é um desprazer porque me obriga a, em nome da santa etiqueta, substituir o delicioso pão francês pelo pão de forma insípido que não “harmoniza”, digamos assim, com imersões no café.
Recordo de, pelo menos, um episódio embaraçoso que descambou para o pitoresco. Estávamos eu e meu marido curtindo uma breve temporada na terra da baguete [uma das maravilhas gastronômicas que enriquecem a lista do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, da Unesco], e tivemos a alegria de receber para um café da manhã queridos amigos brasileiros que passeavam por Paris.
Caprichei na mesa. Meu instinto, no modo automático, enviou-me a seguinte mensagem: “Estou em casa”. Enquanto cada um pegou educadamente uma pequena porção da baguete, espalhou um pouco de geleia, levou à boca e sorveu um golinho de café com leite, eu afundei na minha caneca uma banda de baguete crocante carregada na manteiga. Devorei com tanto gosto que um deles falou: “Vou imitar a anfitriã!”.
No alto, minha mãe deve estar sorrindo resignada: a filha caçula não toma jeito mesmo. Foi um ano de muita saudade, mamis, atenuada por boas lembranças. Obrigada pelos ensinamentos, até os que não pratico.