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O FEMINISMO DA IMPERFEIÇÃO

Quando descobri o feminismo, adentrei em grupos na internet que prometiam o aperfeiçoamento da minha nova visão ativista. A priori, eram lugares para se revisar discursos, questionar dinâmicas sociais e pensar reformas necessárias. Rodeada pelas demandas do movimento e integrando a nova juventude que o feminismo alcançava, eu buscava uma percepção mais aguçada do cenário no qual passava a me inserir, além de realçar a experiência e alargar a elaboração de raciocínios mais consistentes de indignação.

No começo não havia objeções. Acreditava estar pertencendo a um movimento unificado, harmonizado e articulado para o coletivo. Levei o tempo de alguns anos para perceber que havia muita performance e busca por validação orbitando discursos que pregavam justamente a emancipação da expectativa alheia. Que desgosto senti ao concluir que no feminismo também existia um certo padrão a ser alcançado. Padrão esse que eu pouco entendia.

O fato é que rolavam recriminações que apontavam para um arquétipo que impunha alguns direcionamentos um tanto desalinhados. Não pode militar demais, mas se não milita não entendeu nada. Não pode estar alheia às teorias do movimento, mas ser muito acadêmica pega mal. Muito pelo, pouco pelo, maquiagem demais, maquiagem de menos… Sentia que em qualquer deslize ou fala equivocada minha carteirinha de feminista seria confiscada para todo o sempre.

Reparei que esse era um desconforto cada vez mais comum a muitas mulheres que em um aborrecimento exasperado, optavam por se distanciar do movimento. Mesmo frustrada, jamais considerei a ideia de me retirar de algo tão providencial para o meu despertar político e evolução dialética e espiritual.

Feminismo não se traduz em uma auto declaração. É um exercício diário, que toca em desconfortos ao demandar a ruptura de pensamentos e comportamentos automatizados e ao cobrar uma reorganização de narrativas. Nervos são tocados. Alcançamos um nível de consciência que não nos permite o luxo da abstração. Não tem como andar pra trás.

Mas ainda estou aprendendo. Já me flagrei incontáveis vezes assumindo lógicas machistas, autorizando linguagens violentas em discursos naturalizados e com dificuldade de aplicar a teoria na prática. Hoje já reconheço isso sem o receio de ir a júri popular de antes. Continuo feminista ao errar, ao fundamentalmente discordar de uma pauta dita importante, ao maldizer uma mulher por questionar sua moral e duvidar da sua ética ou por puro ranço. Ainda sou feminista quando caio no equívoco, sucumbo à mazelas egóicas, desconheço uma teórica, me rendo às futilidades ou manifesto atitudes fora de qualquer razoabilidade.

Ser feminista não me confere uma retidão moral, tampouco me alça à um lugar imaculado e inteiriço. Feminismo não é uma intocada condição existencial. Transforma, mas é incômodo. Oferece uma realidade mais inteligível que não é necessariamente menos angustiante. Você descobre a origem dos hematomas, mas ainda dói. Liberta, mas leva tempo. Hoje, ser fiel ao movimento feminista pra mim é, acima de tudo, ser honesta e autêntica com os meus processos.

 

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