“Cuidar de mim não é auto indulgência, é autopreservação, um ato de luta política”. Essas palavras, escritas por Audre Lorde em seu livro “A burst of light”, é um relato de como o empenho pela sobrevivência feminina é uma luta cotidiana e uma batalha, principalmente, política. Mulher negra, lésbica e ativista, Lorde levantou questões acerca desse assunto em 1988, e até os dias atuais, esse conceito ainda circula na sociedade.
Desde 2016, a palavra autocuidado vem explodindo nas pesquisas da internet, com a eleição de Trump, nos Estados Unidos, e no Brasil em 2018, com a eleição de Bolsonaro. Tal fato ocorre, pois quanto maior o crescimento da turbulência política, em diversos aspectos, como a questão da polarização e discussões ideológicas, ter seus direitos infringidos ou atacados, de certa forma, aumenta a necessidade de buscar a autopreservação.
O autocuidado só é transformador se atinge todas. O cuidado coletivo faz parte da estratégia de proteção que gera um bem-estar mútuo para nosso corpo e para nossas companheiras. Assumindo que o pessoal é político, partimos do princípio de que o modo que nós lidamos com os outros é o mesmo modo que gostaríamos de lidar com nós mesmos. Esse pensamento nos propõe meditar acerca da importância de nos vermos como sujeitos políticos que praticam para si o que desejam para outras pessoas.
Na sociedade capitalista, a autopreservação sempre foi algo que nos foi vendido, muitas vezes, como um dia no salão de beleza, ou uma tarde fazendo compras etc. mas, honestamente, isso não é uma realidade. O capitalismo produz depressão, alta carga emocional, estresse e irritação, tudo por causa da privação desses recursos econômicos. Mulheres privilegiadas têm que entender que, em muitos âmbitos, tal autocuidado não cabe na perspectiva de todas as mulheres, cada um sabe do que precisa e cada um de nós.
Segundo a Iniciativa Mesoamericana de Defensoras de Direitos Humanos (IM-Defensoras) e do Consórcio para o Diálogo Parlamentar e a Equidade Oaxaca, um dos pilares desse movimento é que nem o dinheiro, nem o tempo devem ser fatores limitantes. Essa observação foi idealizada, pois, em diversas situações, a prática de autocuidado pode ser relacionada a um gasto considerável de dinheiro, porém, vale a pena refletir sobre os diferentes procedimentos acessíveis às mulheres de baixa renda, como o contato com a natureza e exercícios de respiração, que, muitas vezes, têm mais a ver com a disposição do que com o poder aquisitivo.
Entendendo a realidade de mulheres negras, marginalizadas e LGBTs, percebe-se que, para elas, momentos de zelo por si própria acabam se tornando custosos e improváveis de acontecer, considerando as circunstâncias. Algumas têm que cuidar de si mesmas isoladamente, porque nem a sua própria existência é protegida e apoiada. Dessa forma, o autocuidado precisa estar ligado ao feminismo interseccional, ou seja, ele vai ser extremamente relativo, pois as mulheres experimentam a opressão em configurações variadas e em diferentes graus de intensidade.
Em uma perspectiva interseccional, o autocuidado não é apenas sobre um prazer momentâneo, é sobre encontrar um caminho que traga benefícios mentais e físicos. Além disso, em um momento em que a empatia, e em que direitos humanos se tornaram algo pejorativo, o “cuidar” já se torna revolucionário.
Sendo assim, a autopreservação é vista como uma maneira de sobreviver dentro dessa sociedade machista. Ela se torna estratégia, e não deve ser um conceito restrito apenas às feministas, mas deve espalhar-se para todas as mulheres, até porque, parafraseando Emma Goldman, “se não se pode dançar, sua revolução não me interessa”.