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Enlace entre dança e cinema

No “Mural Acadêmico” desta semana, Leão Neto, realizador audiovisual e graduando em Cinema e Audiovisual pela Universidade de Fortaleza, nos apresenta a relação entre a dança e o cinema – artes que fazem parte dos seus encontros afetivos e da sua identidade. Boa leitura! – Luiza Ester

 

 

 

 

Existem algumas palavras que não procuramos no dicionário, uma vez que sabemos do que se trata antes mesmo de aprendermos a pronunciá-las corretamente. Mas, muitas vezes, não costumamos dar explicações etimológicas e conceituais dessas palavras por conta de as atribuirmos ao imaginário coletivo. Você já pensou em como seria definir o céu? Ou melhor, já pensou qual seria a definição de céu para uma criança, um cristão ou um cientista? Provavelmente, as respostas seriam muito distintas umas das outras, mas nenhum interlocutor estranharia a palavra. O céu abriga questões das mais simples às mais complexas, e no entanto, ele continua objetivamente sobre as nossas cabeças. Assim é com a dança: um conceito que surge da combinação entre o corpo e o movimento e que habita o nosso cotidiano e senso comum. Mas, sob um olhar mais atento, a dança revela outras questões de ordem social, sensorial, física, psicológica, mas sobretudo humana.

A potencialização dos corpos e dos movimentos enquanto discurso no tempo atravessam os quatro ciclos da vida de uma bailarina ou de um bailarino: a infância, a adolescência, a idade madura e a velhice. Em cada uma dessas fases, o corpo carrega uma memória que o marca e o ressignifica ao longo da vida. A bagagem de vivências que o corpo carrega consigo reverbera nos âmbitos sociais que os cercam. Como principal meio de expressão criativa da dança, o movimento estampa a carga que cada ser traz da sua trajetória de vida para a criação: “[…] o corpo não é o limite, mas o ponto de partida necessário à criatividade artística e se comunica independentemente da idade ou de preceitos estabelecidos pela sociedade, […]” (CASTRO; MONTEIRO; SANTOS, 2018, p. 360).

Os aparatos tecnológicos estão presentes ao longo da trajetória da dança enquanto arte. Os aparatos cênicos passaram a dar camadas densas às narrativas de corpos em movimento com o surgimento de tecnologias cenográficas e de iluminação. Sendo assim, não foi diferente com a aparição do cinema quando este atravessou a linguagem da dança, que passou a utilizar-se do jogo da mise-en-scène como um novo espaço de descobertas. As múltiplas perspectivas de registro dos corpos pela câmera, o controle do tempo e a montagem, são alguns exemplos de diferentes possibilidades da linguagem audiovisual que se somam aos corpos e memórias em movimento no tempo e no espaço, eternizando-os:

Fugazes e fugidios como a própria vida, a dança [...] e as demais artes cênicas irradiam seus veios de atemporalidade, de eternidade, na urgência da mais absoluta efemeridade, ao passo que, no cinema, a textura temporal entrelaça uma outra cadência: a sétima arte flagra e eterniza momentos que jamais vão se repetir, descortinando-se linguisticamente como um cemitério de pessoas eternamente vivas, com seus vestígios de movimentos sendo repetidos ao infinito, desde que os suportes de captação sejam devidamente preservados (MOCARZEL, 2016, p. 34).

A junção dessas duas linguagens artísticas  transcendem o ciclo de transformação desses corpos em cena. Estes, em movimento no tempo e no espaço, são retidos pelo cinema. Por meio da sobreposição dos corpos em movimento e das histórias de vida, bailarinas e bailarinos podem se configurar como uma força motriz diante da câmera. Os corpos que dançam são animados por essa energia, por um potencial de transformação que atravessa os ciclos da vida e o que eles podem nos provocar enquanto discurso.

Os relatos que recebo de minha infância, juntamente com as memórias que carrego, deixam claro o meu interesse pela dança e pelo cinema. Essas duas linguagens artísticas que têm algo tão potente em comum: o movimento. Lembro de “Dirty Dancing – Ritmo Quente”, o primeiro filme que despertou em mim o interesse por essa aglutinação tão envolvente. O número de dança no terceiro ato da narrativa, relativo ao clímax e desenlace, acarretava êxtase em meu corpo e mente (não importando quantas vezes eu repetisse a experiência de vê-lo). Depois, entendi que a sensação que me foi provocada é uma técnica cinematográfica para que o espectador sinta exatamente o que eu senti. Vários outros filmes possuem o ato final acompanhado de um número de dança explosivo.

Antes de estudar cinema, vivenciei o universo da dança na prática por meio de grupos de academias de dança e uma companhia independente, a Companhia de Dança Leandro Netto, que me levou a questionar o mundo e o meu lugar de pertencimento como artista. Nunca fui um corpo que correspondesse aos padrões dos lugares em que passava como bailarino, visto que tinha problemas com o meu peso e os meus movimentos não eram tecnicamente apurados para a linguagem que eu me propunha a dançar. Eu ainda possuo esses traços de inadequação até hoje.

Devido a prevalência de mulheres no elenco, diversas vezes os integrantes de outro grupo do qual fiz parte durante três anos, a Companhia de Dança Vera Passos, eram mencionados somente no feminino. Os meus maiores ídolos eram mulheres que dançavam com maestria, desde a releitura do samba de Carla Perez à morte do cisne de Anna Pavlova. O símbolo do feminino era predominante no meu conhecimento limitado de dança. Não havia sentimento de incômodo de minha parte, mas de admiração e, consequentemente, de projeção. Eu queria ser como elas. E agora, enquanto realizador, eu quero filmá-las.

Com alguma experiência adquirida por meio de proposições autorais na área do cinema e certas obras coreográficas impressas no meu corpo, pude enxergar que um processo criativo nos conduz a lugares inquietantes e incertos. Curiosamente, nos confortam muitas vezes, justamente por estarem assentados dentro de uma investigação genuína do nosso ser. Ao nos depararmos com um objeto instigante, é natural que haja uma motivação para aprofundarmos os nossos conhecimentos sobre ele. Com isso, quanto maior a imersão no assunto, mais se forma uma nuvem carregada de ideias, muitas delas desconexas no início, mas que nos conduzem, aos poucos, para a realização concreta de uma obra artística.

Leão Neto
Especial para o Mural

*Fragmentos de textos retirados do projeto de realização de Antônio Leão de Souza Neto, apresentado ao curso de Graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade de Fortaleza como requisito final da disciplina TCC I – Trabalho de Conclusão de Curso I, sob a orientação da Profa. Me. Lis Paim Duarte.

Referências

CASTRO, D. L.; MONTEIRO, E. A. P.; SANTOS, E. C. M.. Na vida, no palco, na cena: amadurece. Urdimento, Florianópolis, v.3, n.33, p. 351-362, dez. 2018. Disponível em: http://www.revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/1414573103332018351. Acesso em: 28 de março de 2020.

MOCARZEL, E. Cinema e Dança: diálogos linguísticos em casamentos artísticos marcados pelo movimento. In: LESNOVSKI, A.; WOSNIAK, C. (org.). Olhares: audiovisualidades contemporâneas brasileiras. Campos Mourão: Fecilcam, 2016, 204p (Coleção Diversidades do Conhecimento). Disponível em: http://campomourao.unespar.edu.br/editora/documentos/livro-olhares-compressed.pdf#page= 34. Acesso em: 27 de abril de 2020. 

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