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ALIENAR-SE É PRECISO

Muito se fala sobre a alienação ultrajante, aquela que ameaça o pensar crítico e independente. Dizem que a esta devemos reservar nosso desprezo e seguir pelas vias da lucidez, atentos aos propósitos concretos e edificantes. Se desenvolvermo-nos enquanto indivíduos que buscam o progresso é o objetivo vital, não dá pra assumir-se desimportante em relação a si, sequer aceitar-se em algum grau de superficialidade. Ou dá?

Desde que tenho consciência de mim, me sei como alguém que se coloca no mundo através da escrita. Escrevo para dar significado às coisas e, no ato de fazê-lo, significo também a mim. Revelar sentidos quase sempre se apresenta como processo custoso, por vezes exaustivo. Quando sento-me para escrever, ou quando a poesia me conduz às palavras, revisto-me de uma intimidade quase obscena. As emoções, pegajosas de confissão, figuram-se em ruídos que ressoam violentos em entusiasmo ou perversos em feridas expostas. Penetro recantos sórdidos, assisto esquecimentos, traduzo a dor. Me faço ouvidos. Nesse momento, sou inteira aprofundamento.

Quando o raciocínio se dá por terminado, invisto no ponto final um suspiro aliviado. Ufa! Concluiu-me, enfim, o poema. Permaneço ainda o tempo de alguns minutos contemplando o branco da folha, dilatada sob o domínio da inspiração. Se nada mais vem, me levanto em sobressalto. Quero distância de mim. Busco uma mediocridade palatável que me induza a serenidade. Preciso me anular, descolar de mim. E saio a procura de alienação.

Reality shows são sempre oportunos, especialmente os enredos de futilidade excessiva. É terapêutico não se pensar diante da ocupação da vida alheia. Está em questão somente o dissecamento da personalidade de outrem e a investigação de comportamentos pueris. De Férias com o Ex, da MTV, tem uma premissa irresistível: assistir homens e mulheres ilhados junto aos seus relacionamentos passados, embriagados de juventude, hormônios e impulsividade. Tentador, não?

Há pouco me despedi da minha mais recente alienação; as Olimpíadas de Tóquio. Para além dos jogos, lancei-me no fuxicar frenético da pessoalidade dos atletas, atentei-me às fofocas e me dei ao luxo de esquecer-me sedentária enquanto calorosamente analisava as performances olímpicas. E que baita experiência catártica. Como nação, arrisco afirmar que estávamos necessitados do êxtase da unidade, da euforia patriota.

E como gente, não carecemos todos de algum nível de alienação? Vivemos no risco dos excessos, interpelados por complexidades, lidando com aberturas filosóficas e com a concretude hostil da rotina. Há de haver, na razão de ser, um tempo para a suspensão da realidade. Um instante de desapego de si. Distanciar-se, ser coisa nenhuma, para então retornar ao eixo das dúvidas e perplexidades, onde somente lúcidos nos aventuramos.

 

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