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ENSAIO SOBRE A SOLIDÃO

Poucas são as sensações que o homem carrega por toda a vida. A solidão é um desses fantasmas que aterrorizam esse meio termo que vai do berço ao túmulo. Quando nascemos, ainda cercados de sangue e resto de placenta, o mais verdadeiro elo carnal da vida acaba quando o cordão umbilical é rompido e dois seres definitivamente ganham distinções.

O choro do desamparo, que é a saída do ventre, parece ecoar no coração de todas as idades em um desejo eterno de regressar para onde nunca deveria ter saído. Talvez, Freud possa até explicar, mas em momento de dor extrema ou qualquer outra cogitação de medo, o ser humano se contorce na busca pela forma primitiva de feto, semente da existência e de usufruto da companhia materna.

Ah, depois disso, tudo acaba e não estamos preparados. Cada segundo caminhamos para o fim e vivemos com medo de olharmos na face da morte sozinhos, mesmo sendo inevitável. Já diria o ditado popular que “caixão não tem gaveta” e por mais que alguém segure sua mão nesse momento, a grande viagem, aquela proposta pelas religiões, enfrentará só. Aliás, o homem criou Deus para isso, para acreditar que depois do limiar da vida não vai cair em um imenso vão escuro, vazio e solitário.

Depois do dia da criação, segundo o livro sagrado, Deus criou a mulher para fazer companhia ao homem na imensa solidão, mesmo que ainda no paraíso. Essa é a história sacra, mas já os incrédulos vêem a divindade como forma de regimento e organização. Deus é fruto do anarquismo do homem, e sua destruição é fruto do próprio anarquismo político. Neste sentido, Deus quando se fez em estado de carne sentiu em seus lábios o sabor de ser sozinho ao caminhar no calvário e terminar na cruz com a pergunta: Pai, por que me abandonastes?

Ser abandonado é nada mais do que se sentir sozinho e o desprezo também não deixa de ser a pior da solidão. É aquela sensação da criança que chega no primeiro dia na escola e assiste com medo um surgimento de um novo mundo. Ai as lágrimas choram e mais uma vez se busca voltar para a casa, que já não é aquela bonitinha de telha, janela de vidro e cama quente, e sim a primária, que é feita de carne e ossos, a primária, pois quando conhecemos o mundo saímos de nós e o tropeço não ganha pluba e nem amparo.

Ainda sobre o olhar que paira o infantil, caminhando uma vez a beira-bar, vi um bebê tentar seus primeiros passos…Um, dois, três, quatro e veio a queda na calçada de pedra. Os pais de pronto fizeram massagem no membro machucado e lhe colocaram no colo. Como eu queria a oportunidade de olhar nos olhos daquela criança para dizer: não chore, a vida é como aquele mar ali na frente, furiosa! E você sempre será um grão sozinho na multidão.

Ela não entenderia, mal sabe andar quanto mais falar, e a palavra muitas vezes é um grito solitário e em vão. A palavra isolada não diz nada, nem tem sentido e nem razão, ela perde seu contexto… Mão, árvore, caranguejo, paralelepípedo, puta, cu… Todas são palavras solitárias que jogadas a esmo não tem função.

Eu tenho pena das palavras, pois elas precisam uma das outras para terem força. O humano é assim também, precisa se sentir incluso em uma sociedade, mesmo que esse nunca seja realmente pertencente a ela. Ele briga com o tempo pois não pertence a ele e nem às pessoas, ele não pertence a nada, só a Deus que por vezes é criado pelo próprio homem como forma de sobrevivência. Falo de Freud novamente pois isso eu tenho certeza que aprendi na terapia hoje de manhã. A crença de um grande pai maior que os comunistas incendeiam.

Karl Marx deveria ser muito solitário, coitado! Tão sozinho e de tal forma que pensava na visão de um bem comum. Isso lá existe, nunca existiu! O capital, amor e poder foram epicentro de guerras mundiais desde as primeiras relações quando Caim matou Abel. Lá vai eu falar da bíblia de novo…O estranho é usá-la em uma mesma frase que falo do Marxismo. Tudo é utópico. O nascer é utópico, o enriquecer é utópico, o amor é utópico, o outro é utópico…Nada existe a não ser um vasto caminhar solitário e impreciso diante a natureza das coisas.

Heitor de Almeida

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