Quando eu era criança, o que faz alguns anos, a imaginação me levava para muitos mundos. Nas brincadeiras que a idade ofertava eu poderia ser quem eu quisesse. Por vezes, era o General que impedia os amigos de invadirem o reino, por outros era o Pirata caolho caçando o tesouro, já fui até o Imperador de um continente nunca descoberto.
Hoje, com o peso da idade, uma autodescoberta de quem sou, em toda a minha verdade, é mais complexa do que os delírios do mundo infantil. Gabriel García Márquez já afirmou que todos temos três vidas: uma vida pública, uma vida privada e uma vida secreta. Eu tenho que discordar do meu autor preferido, para dizer que acredito que somos muitos e nossas versões por vezes se digladiam na vida, antes de dormir ou ao se ver no espelho.
São personagens que se desfazem ou compõe conforme a necessidade deles existirem. Para provar isso, abro meu álbum de fotografias e fico observando as minhas mudanças físicas e caçando na memória quem eu era naquele momento. Mesmo sem ser ator, já me encontrei como velho, bebê, mulher, bicho e até árvore. Já fui o vento que soprou a brisa da jangada e também o fogo que Nero usou para incendiar Roma.
Quem sou eu? Me pergunto hoje depois de um turbilhão de sentimentos que passou por minha vida sem pedir licença. Sou uma multidão que corre no fim do dia para entrar no metrô e viver sufocado no caminho de casa. Sou a alegria do carnaval e a tristeza da quarta-feira de cinzas.
Com a maturidade e a imortalidade, de saber que mesmo após a putrefação deste corpo e meio descrente do que existe depois de tudo em uma possível espiritualidade, descobri que posso ser tudo. Por exemplo, sou adulto mas não canso de buscar beijo da princesa indefesa, que minha analista critica, pois é muito idealizada. Não importa, esse sou eu!
Me recordo de uma letra do grande Sérgio Sampaio que diz: “Não há nada mais tranquilo do que ser o que se sente e poder amar, perder, chorar, depois”. Eu sou quem sou, sem nem uma questão existencial shakespeariana. Me olho novamente e ao me perder encontro tantos e posso ser todos eles, sem deixar de ser eu, Heitor de Almeida, ou eu seria mais uma criação da mente de um louco escritor em busca de paz? Quem sabe…
Por Heitor de Almeida