Fortaleza, CE
contato@muraldaanapaula.com.br

Resistência, arte e cultura: a trajetória de Alexia Duarte na cena cultural da cidade de Icó

Fotógrafa, produtora cultural e artesã, Alexia Duarte nasceu em São Paulo, mas mora na cidade de Icó, interior do Ceará, desde os seis anos de idade. Explorando diversas áreas artísticas e culturais, ela segue construindo sua experiência como artista, trazendo na bagagem as viagens para muitos lugares onde ela teve a oportunidade de levar sua arte por meio do artesanato.

Alexia Duarte participando de uma feira de artesanato. Foto: acervo pessoal.

Morando em uma cidade rica em patrimônios histórico e culturais, sede do teatro mais antigo do Ceará, o Teatro da Ribeira dos Icós, e com mais de 400 bens materiais e imateriais compondo o Sítio Histórico, Alexia faz parte de um grupo de artistas que lutam diariamente pelo reconhecimento na resistência cultural. “Acho importante ressaltar que mesmo sendo uma cidade com um vasto patrimônio histórico, Icó ainda é muito mal administrada culturalmente. O incentivo do poder público é quase inexistente para pessoas de pouca visibilidade. Não existem eventos culturais voltados para minorias. Não existem políticas públicas que sustentem o cenário independente. Essas pessoas precisam remar contra a maré para conseguirem espaço, visibilidade e reconhecimento”, conta Alexia.

Foi com essa inquietação, que surgiu na adolescência, de manter a cultura e arte vivas, que surgiu o interesse de Alexia por atuar na cena cultural. “A falta de apoio e incentivo à cena cultural de Icó me instigou a querer tomar uma atitude e realizar um evento na praça, a partir daí foram surgindo mais ideias e eventos. Também comecei a fotografar na mesma época, o que abriu os meus olhos pra arte. Logo depois conheci o artesanato de rua e fui coletando experiências através de viagens”, relembra.

Cultura no Largo

Como parte desta atuação, em 2015 Alexia deu início ao coletivo Cultura no Largo, uma iniciativa que promove a integração e o apoio para diversos artistas que desejam promover eventos culturais em Icó.

A história do Cultura no Largo começou a partir de uma publicação no Facebook, quando Alexia perguntou quem eram os artistas da cidade e se eles tinham interesse de se juntarem voluntariamente para um evento aberto na praça da cidade, conhecida como Largo do Thebérge.

“Entrei em contato com as pessoas que se manifestaram e organizei a programação. A partir daí, a cada novo evento ia adquirindo experiência, conhecendo novos artistas e pensando em melhorar ainda mais o coletivo. O Cultura no Largo funciona de forma voluntária. Quem tem interesse em realizar um evento com uma boa proposta pode estar entrando em contato que eu estarei orientando para tornar isso possível. Conseguimos apoio dos próprios artistas e de amigos que se sensibilizam com a arte”, explica Alexia.

Com sete anos de existência, o Coletivo “é um grupo de pessoas que estão em todas as partes” e já realizou diversas intervenções agregando o trabalho de outros artistas parceiros, com participantes de Icó, como o Coletivo O Camaleão e o Icozeiro, festival realizado pela Associação Filhos e Amigos de Icó (Amicó), e também parceria com cidades circunvizinhas, como Iguatu, representada pela artista Carleziana Rodrigues, e Orós, com a Patrícia Gomes.

Vivenciando os desafios da arte independente, Alexia destaca a importância da cooperação entre os artistas. “Na teoria é muito lindo fazer arte por amor, mas o artista também é um profissional e precisa ser valorizado. Sem apoio se perde a vontade de realizar. Muitas vezes já pensei em desistir, mas sempre encontro forças quando vejo que não estou sozinha e tenho meus iguais a me apoiarem”, conta.

Neste contexto, ela reconhece também a importância de iniciativas como o Cultura no Largo para seguir mobilizando a sociedade dentro do viés artístico e cultural. “A classe artística precisa continuar unida, se apoiando, pois ainda somos a resistência. Nossa força de vontade estimula outras pessoas a continuarem essa jornada”.

Festival Tamarineiras e a história por trás dos pés de Tamarindo

Entre os projetos do Cultura no Largo, a experiência mais marcante para Alexia foi a realização do Festival Tamarineiras, espaço para promover produções de artistas mulheres no Ceará. “Um festival todo produzido e realizado por mulheres. Um evento aberto ao público embaixo dos lendários pés de Tamarindo da rua Des. José Bastos. Ver todas aquelas artistas reunidas ali fez o meu coração se encher de alegria e certificar que realmente é isso que eu amo fazer”, compartilha Alexia.

Apresentação durante o Festival Tamarineiras, organizado pelo Coletivo Cultura no Largo. Foto: acervo pessoal.

 Os “lendários pés de Tamarindo”, citados por Alexia, fazem parte da história da cidade de Icó, e foram plantados por volta de 1835 por Glória Dias, uma mulher, conhecida por sua coragem e valentia, que enfrentou o Barão do Crato, Bernardo Duarte Brandão, para manter as árvores em pé quando, incomodado pela sujeira e o mau cheiro deixado pelos bichos dos viajantes que se abrigavam debaixo dos tamarindos, ele ameaçou cortá-las.

Em resposta, Dona Glória comprou pólvora e avisou ao Barão que caso ele derrubasse os tamarindos, ela explodiria o sobrado dele. O Barão recuou e toda a pólvora foi doada para os Festejos do Senhor do Bonfim, tornando-se parte da tradição da queima de fogos que acontece em Icó no dia 1º de janeiro, logo após a procissão com a imagem de Jesus crucificado.

Em virtude do crescimento irregular, a árvore com quase 200 anos desabou em fevereiro de 2021, deixando o legado como símbolo da força e resistência das mulheres cearenses, que seguem na luta por visibilidade no município de Icó.

Festival Tamarineiras. Foto: acervo pessoal.

Próximos passos do Cultura no Largo

Em agosto deste ano, o Cultura no Largo realizou o “Encontro Imagem & Palavra”, uma ação promovida pelas artistas Carleziana Rodrigues e Patrícia Gomes, onde elas uniram seus trabalhos. “A Carleziana enquanto uma artista da palavra, com contação de histórias, e a Patrícia com o seu trabalho visual, com colagens digitais e analógicas, e a gente uniu essas duas vertentes para conversar um pouco sobre a importância da imagem e da palavra no nosso cotidiano. Não só dentro da arte, mas também das nossas vidas, pois tudo é imagem e tudo é palavra, uma completa a outra”, conta Alexia.

Em relação aos planos futuros, o Coletivo planeja dar continuidade ao projeto, trazendo outras pessoas que também trabalham dentro dessas vertentes para ministrar oficinas. Além disso, o Cultura no Largo ainda promoverá mais duas ações em 2022, “Corações Selvagens”, um tributo a Belchior que reunirá artistas da música e do teatro em um espetáculo musical com intervenção teatral, evento que acontecerá no mês de outubro, e também a “Noite do Vinil”, um encontro para reunir pessoas para conversar sobre a era do vinil, tendo também uma exposição de vinis e de artes visuais relacionadas ao vinil, e uma discotecagem.

No mês de dezembro acontecerá na cidade de Icó o 10º Festival da Cultura Icoense, o Icozeiro, onde Alexia pretende estar presente exibindo a sua websérie “Sertão Delas”. Lançada em 2021, a produção mostra o cotidiano e a vida de mulheres artistas no interior do Ceará. “Eu fui até a casa dessas mulheres, passei o dia com elas, e documentei tudo isso nessa websérie que está no meu canal do Youtube. E no Icozeiro eu pretendo fazer a exibição e debate dessa websérie, além de trazer outros eventos que a gente ainda está conversando”, pontua Alexia.

“No mais eu espero fortalecer o Coletivo, trazendo novas parcerias. A gente tem muitos planos audiovisuais, de teatro, dança, como a gente sempre fez, englobando todas as vertentes artísticas. O Cultura no Largo pretende realizar festivais mais na frente, dando continuidade ao trabalho que já vem sendo feito desde 2015, esse ano a gente já realizou algumas atividades, ficamos no online, mas agora já estamos retornando ao presencial”, finaliza Alexia.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *