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Como as redes sociais interferem nas relações sociais?

Em uma época em que a descartabilidade impera, inevitavelmente, se transpõe tal perspectiva para o campo intersubjetivo e ascende ao repertório subjetivo a cultura do cancelamento. Hoje percebe-se que a compreensão do “mundo VUCA”, acrônimo do inglês para (Volatile, Uncertain, Complex e Ambiguous) que no português fica (Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo) tornou-se insuficiente e deu lugar ao “mundo BANI” (Brittle, Anxious, Nonlinear, Incomprehensible) no português QANI (Quebradiço, Ansioso, Não Linear e Incompreensível). As relações estão permeadas, entre outros, pela eliminação do diferente e por uma crise do modelo de vida. 

O sofrimento psíquico se descortina no desenlace da compreensão de que onde haveriam, hipoteticamente, redes de afetos existem redes de conexões cada vez mais esgarçadas. Resgatando o conceito delineado por Zygmunt Bauman, a liquidez atravessa os contatos presenciais e virtuais. As interações, sobretudo num contexto pandêmico, acabam sendo mediadas pelas tecnologias da informação e da comunicação evidenciando que não é o meio em si o responsável pela fragilidade dos vínculos e que até mesmo na virtualidade pode haver presença. Na verdade estamos respondendo de um lugar social construído historicamente com matérias-primas como a competição predatória, o capitalismo artista (Lipovetsk), a normose e presos na armadilha cultural do excesso. 

Diante de uma cultura do cancelamento que desemboca na desarticulação do coletivo já que não há espaço para o debate e sim a efusão do linchamento precisamos mais que nunca resgatar e desenvolver nossa capacidade de encontrar saídas criativas para lidar com um mundo que funciona por imagens e de forma superficial. A emergência da Nomofobia (medo de ficar incomunicável) diz muito sobre nossas formas de ser e estar no mundo. O conceito, desenvolvido por Byung-Chul Han, “Sociedade do cansaço”, remete à paradoxal liberdade coercitiva que entremeia o existir nestes dias em que nos tornamos vítimas e agressores de nós mesmos na busca incessante e inatingível da alta performance.

As redes sociais progressivamente constroem-se enquanto terreno fértil para a efervescência de uma série de padecimentos engendrados nos processos de espetacularização da vida, em particular, quando a criticidade se ausenta, e quando uso o termo refiro-me a uma leitura cuidadosa/ponderada do conteúdo consumido mesmo que este seja a vida de um outro que idealizo e a partir do qual formulo uma enxurrada de comparações que podem levar a graves dores e às vezes imobilizações. 

Algumas vezes de forma sutil outras mais escancarada as redes sociais colocam em cena os padrões de “normalidade” forjados por um dinamismo histórico e que ganham visibilidade em um momento específico e produzem jogos discursivos que muitas vezes são apenas replicados sem nenhuma meditação. Faz-se vultoso pensar sobre o sucesso do absurdo nas redes sociais. Estamos na era dos influencers que têm posicionamentos formados sobre tudo, num crescente de pseudo-especialistas, em exposição contínua às fake news e tendo como pano de fundo o caos político, os desastres climáticos e a pandemia da COVID-19. Nesta época uma das querelas gira em torno de um mínimo de coerência entre vida e discurso. 

O fato é que a fronteira entre o público e o privado, o real e o virtual, a macroestrutura e a ação individual encontra-se cada vez mais borrada, o que não é sem efeitos para o sujeito e para o coletivo. Além disso, é válido destacar que as redes sociais por si não têm “um valor instituído” até que sejam acessadas /utilizadas/ manejadas o que nos coloca na posição de nos implicar e não apenas apontar os respingos dos usos como um fenômeno descolado do seu contexto.

Precisamos refletir sobre os sofrimentos psíquicos da sociedade de desempenho transpassada pela “Síndrome de Paris”, quando a visão romantizada que se tinha não corresponde à realidade, o que guardando suas proporções ecoa em analogias para um encadeamento de projeções que os impactos dos usos das redes sociais desencadeiam em usuários menos atentos aos jogos que ali estão instalados. 

Estamos inseridos em uma comunidade onde são raros os espaços para se elaborar as frustrações que são constituintes da existência humana, marcada pela patologização e medicalização da vida onde inúmeras vezes é rechaçado o convite ao diálogo e as tarefas de sociedade ganham um cunho de compromisso individual o que nos leva a uma faccionalização da vida. Neste cenário caminhamos nesta escrita na tentativa de tangibilizar as repercussões dos usos das redes sociais nos estilhaçamentos nas relações sociais, pretensão esta no campo da reflexão e não necessariamente de respostas já que estas serão potencialmente construídas de forma singular fazendo sentido na biografia que as encontra em seu tempo.

 

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