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Autonomia como possibilidade à ineficiência do fomento público à cultura

 

 

 

A execução dos recursos da lei Aldir Blanc pelos Estados e Municípios vem encontrando diversas dificuldades operacionais.

Uma delas é a percepção sobre quais seriam os mecanismos jurídicos mais adequados para fazer com que os 3 bilhões de reais cheguem na ponta, ou seja, no setor cultural que mais precisa. Edital para premiação? Chamada pública para projetos culturais? Que tipo de fomento fazer e que norma utilizar?

A confusão geral tem como base, ao que me parece, a incompreensão acerca do fundamento jurídico da lei Aldir Blanc e de toda atividade administrativa de fomento (ainda que emergencial) à cultura.

O dever estatal de fomento à cultura está previsto nos artigos 23 e 215 da Constituição Federal. Já a competência para criar leis sobre cultura está disposta nos artigos 24 e 30. É possível dizer, portanto, que toda e qualquer norma que tenha como pressuposto o fomento à cultura deveria se fundamentar nesses artigos constitucionais.

Entendida a lei Aldir Blanc como uma norma que dispõe sobre “ações emergenciais de apoio ao setor cultural” a serem adotadas durante o estado de calamidade, é possível dizer que ela é uma lei de fomento, na categoria apoio, posto que visa permitir com que o setor continue a funcionar, a criar mesmo durante a pandemia.

Sendo uma norma de fomento, ainda que de forma emergencial, entendo que a lei Aldir Blanc encontra fundamento direto no dever constitucional de fomento que, mesmo em tempos de pandemia, deve continuar a existir (como o amparo à educação, à saúde, à manutenção do  emprego e renda etc., permaneceu existindo, inclusive com criação de normas emergenciais específicas para cada setor).

Assim, ela pode ser entendida como uma norma geral, e que Estados e Municípios farão suas normas locais, a fim de executá-la (como previu o próprio decreto da Aldir Blanc, que atribuiu aos Estados e Municípios o dever de regulamentar essa execução, em mais um prova de ser o fomento à cultura uma competência compartilhada entre os entes).

Nessa regulamentação, portanto, os entes têm autonomia para regulamentar os mecanismos jurídicos para a realização do fomento emergencial, observada a lei local de fomento a cultura, se existente, e as regras do fundo de cultura, caso seja utilizado.

Não há que se falar, portanto, em aplicação de normas que não são específicas para o fomento. As ações emergenciais de apoio ao setor cultural se fundamentam na própria Aldir Blanc (e nos regulamentos estaduais e/ou municipais) e não precisam de normas “suplementares” para se realizar.

Com a criação de mecanismos jurídicos, observada a Aldir Blanc, os princípios administrativos, as regras de processo administrativo etc., é possível a elaboração de editais, chamadas públicas específicas para o fomento cultural, sem que seja necessário espelhar ou “copiar” modelos que não são próprios da área.

Sim, defendo uma autonomia. E isso não é uma novidade a ser criada exclusivamente para a cultura. O Estado brasileiro, por exemplo, fomenta a produção científica há anos, com mecanismos próprios de repasse de recurso (bolsas, passagens, diárias etc.) e não se exige a prestação de contas do que o pesquisador gastou com o recurso da bolsa.

Exige-se, pelo contrário, que ele comprove a realização do projeto, a tese aprovada. Por que não aplicar essa lógica para  a cultura, se o que o Estado faz em relação a ela é também fomento? Por que o reconhecimento para artistas não pode ser dado como prêmio sem que isso seja confundido com o prêmio previsto na lei 8.666/93 (lei de licitações e contratos)? Por que não se dá a autonomia necessária aos instrumentos jurídicos de fomento à cultura?

As (tentativas) de respostas ficam para uma outra oportunidade.

 

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