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5 POEMAS ENGAJADOS POLITICAMENTE

 

A “poesia social” versa sobre questões de cunho político e social e se apresenta carregada de indignação e insubmissão ao tratar de mal-estares da sociedade, expressando a ânsia por transformação. São poemas de denúncia que, para além de alertar em tempos sombrios, servem para despertar o pensamento crítico em nossos entendimentos de mundo.

O Mural separou 5 poemas engajados e de conteúdo crítico que representam o poder da palavra como ferramenta política de denúncia social. Confira:

 

  1. NÃO HÁ VAGAS (FERREIRA GULLAR)

O preço do feijão
não cabe no poema
O preço do arroz
não cabe no poema

Não cabem no poema o gás
a luz
o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos

Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
– porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”

Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

O poema, senhores,
não fede
nem cheira

 

2. ANA CRISTINA CESAR

Minha boca também
está seca
deste ar seco do planalto
bebemos litros d’água
Brasília está tombada
iluminada como o mundo real
pouso a mão no teu peito
mapa de navegação
desta varanda
hoje sou eu que
estou te livrando
da verdade

 

3. VOZES-MULHERES (CONCEIÇÃO EVARISTO)

A voz de minha bisavó ecoou
criança
nos porões do navio.
Ecoou lamentos
de uma infância perdida.
A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
No fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela.
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e fome.
A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
o eco da vida-liberdade.

 

4. EPITÁFIO PARA O SÉCULO XX (AFFONSO ROMANO SANT’ANNA)

Aqui jaz um século
onde houve duas ou três guerras
mundiais e milhares
de outras pequenas
e igualmente bestiais.

Aqui jaz um século
onde se acreditou
que estar à esquerda
ou à direita
eram questões centrais.

Aqui jaz um século
que quase se esvaiu
na nuvem atômica.
Salvaram-no o acaso
e os pacifistas
com sua homeopática
atitude
-nux vômica.

Aqui jaz o século
que um muro dividiu.
Um século de concreto
armado, canceroso,
drogado,empestado,
que enfim sobreviveu
às bactérias que pariu.

Aqui jaz um século
que se abismou
com as estrelas
nas telas
e que o suicídio
de supernovas
contemplou.
Um século filmado
que o vento levou.

Aqui jaz um século
semiótico e despótico,
que se pensou dialético
e foi patético e aidético.
Um século que decretou
a morte de Deus,
a morte da história,
a morte do homem,
em que se pisou na Lua
e se morreu de fome.

Aqui jaz um século
que opondo classe a classe
quase se desclassificou.
Século cheio de anátemas
e antenas,sibérias e gestapos
e ideológicas safenas;
século tecnicolor
que tudo transplantou
e o branco, do negro,
a custo aproximou.

Aqui jaz um século
que se deitou no divã.
Século narciso & esquizo,
que não pôde computar
seus neologismos.
Século vanguardista,
marxista, guerrilheiro,
terrorista, freudiano,
proustiano, joyciano,
borges-kafkiano.
Século de utopias e hippies
que caberiam num chip.

Aqui jaz um século
que se chamou moderno
e olhando presunçoso
o passado e o futuro
julgou-se eterno;
século que de si
fez tanto alarde
e, no entanto,
-já vai tarde.

5. POEMAS AOS HOMENS DO NOSSO TEMPO III (HILDA HILST)

Sobre o vosso jazigo
– Homem político –
Nem compaixão, nem flores.
Apenas o escuro grito
Dos homens.

Sobre os vossos filhos
– Homem político –
A desventura
Do vosso nome.

E enquanto estiverdes
À frente da Pátria
Sobre nós, a mordaça.
E sobre as vossas vidas
– Homem político –
Inexoravelmente, nossa morte.

 

 

 

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