Fortaleza, CE
contato@muraldaanapaula.com.br

A oiticica e os dois rios

Quando eu era uma criança e o rio da minha cidade ainda era bom pra banho, íamos quase todos os domingos. Lembro que costumávamos chegar cedo para pegar um lugar na sombra da oiticica que ficava mais lá em cima, onde as águas ainda eram calmas. Levávamos redes, carvão, bebidas e bóias, era uma algazarra!

Aproveitávamos enquanto o rio estava cheio porque, numa região castigada pela seca, essa cena sempre tinha um fim. Lembro até hoje do balançar do carro ao ter que passar nos córregos. Quem estivesse na carroceria, sempre levava um banho. Era por isso que eu gostava de ir ali.

A oiticica era frondosa, dava uma sombra enorme! Ao lado dela, tinha uma outra árvore que não sei qual o nome, essa era mais ralinha, não dava tanta sombra assim, mas, a da oiticica era o suficiente. Pendurávamos no galho da árvore nossas redes e ali já estava um balanço improvisado com cipó, todo mundo podia usar. Com o balançar, podíamos pular direto no rio. E era isso que as crianças, como eu, faziam, uma a uma.

Os dias ali eram poesias. Leves e felizes, não queria que acabassem. Voltava pra casa já “cinza”, como dizia minha mãe. Ah, e chorando porque não queria voltar! O caminho do rio até em casa era relativamente longo, uns 15 minutos. De tanto chorar, eu já chegava em casa dormindo.

Um dia, minha mãe me contou que não dava pra dormir durante a volta do rio que ela tomava banho quando criança. Perguntei se não era o mesmo rio, ela disse que não. Depois que cresci, entendi. São dois rios e uma só cidade.

Esses dias, passando pela ponte do rio da minha infância, senti falta do cenário que eu encontrava quando ia todos os domingos. Mas senti falta de alguma coisa em especial: a oiticica. Vi a árvore caída quase sendo levada pelas águas, perto dali, estava uma retroescavadeira e um carro-pipa. Uma analogia um tanto quanto irônica pra essa cidade, eu diria.

Não sei se foi aquela retroescavadeira que engoliu a oiticica. Não sei também o porquê. Mas aquela oiticica caída, o carro-pipa sendo abastecido e a máquina gigante ali, contam a história de uma cidade e dois rios. Mais que isso: aquela cena conta toda a história de uma cidade que teve sua memória posta ao chão para dar lugar à água. Aquela cena conta a história da terra demolida e da terra prometida. Aquela cena conta a história de dois rios, um de uma cidade que está de pé, a outra, em baixo d’água. Aquela cena conta a história da oiticica derrubada e do rio que nem presta mais.

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *